quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

A ORAÇÃO QUE AGRADA A DEUS



“porque todo o que se exalta será humilhado; mas o que se humilha será exaltado.”
– Lucas 18.14b

Se o Evangelho de Lucas é direcionado aos gentios para provar que o Senhor Jesus é o Filho do Homem, o Homem Perfeito, o Divino Filho de Deus encarnado que veio buscar e salvar os perdidos, o texto que vamos tomar como base para nossa reflexão, que está em Lucas 18.9-14, e seu contexto, na verdade, vai até o versículo 17 deste capítulo, trata da oração como a comunicação vital [1] com Deus nestes nossos tempos perigosos até o estabelecimento do Reino de Deus com a vinda desse Filho do Homem.

Todavia, qual é o ingrediente essencial para que possamos fazer parte desse Reino? Quais as qualidades que devemos ter diante de Deus para tal? Como comportarmos e como praticarmos esta comunicação vital?

Se para engajar-nos nessa comunicação temos que envolver nossas orações, então, como é que devemos orar? O texto fala que dois homens fizeram suas orações, mas cada um orou do seu jeito. Quem são esses homens? Qual dos dois agradou a Deus com suas orações? Ou será que todos eles agradaram a Deus? Qual é a oração que agrada a Deus?

1.      A oração que agrada a Deus não deve envolver a nossa própria autoconfiança em nós mesmos, nem a prática da justiça por nossas próprias mãos, e nem o nosso desprezo para com os outros.

“Propôs também esta parábola a alguns que confiavam em si mesmos, por se considerarem justos, e desprezavam os outros.” – Lucas 18.9

Na passagem de Lucas 18.1-17, Jesus passa de uma primeira parábola que fala da importância da oração (v. 1-8) para uma segunda parábola que fala sobre como devemos orar (v. 9-14). Lucas começa dizendo-nos por que Jesus está relacionando estas duas parábolas.

Esse texto é estratégico porque fica quase no meio dos seus contextos remotos posteriores e anteriores, ou seja, Lucas 17.20 e Lucas 18.31, respectivamente, interligando-o, como um todo, e complementando os argumentos da pergunta disputada pelos fariseus: “Quando virá o Reino de Deus?”.

É por causa dessa pergunta, e é aí nesse versículo 20 dessa perícope, que toda esta questão se inicia, ocasião esta que nos proporciona um grande ensinamento sobre como devemos orar e como devemos nos portar na esperança da vinda do Filho do Homem.

Assim, logo no início de Lucas 17.20ss, os fariseus perguntam a Jesus sobre a vinda do Reino de Deus. O Senhor Jesus responde que esse dia não virá com sinais visíveis, mas que este Reino já estava no meio deles por causa dEle. Mesmo assim, haverá um dia, no futuro, em que essa vinda do Filho do Homem acontecerá como um raio, um dilúvio, ou seja, quando menos esperarmos.

Em Lucas 18.1-8, o texto nos ensina que, por isso mesmo, é que devemos continuar orando, persistentemente, e nunca esmorecer.

Embora o texto de Lucas 18.15-17 não mencione exatamente quando este fato ali narrado tenha acontecido, o mesmo faz uma conexão tópica neste incidente com as crianças como uma parábola viva das verdades que ele acaba de descrever. [2]

Se uma parábola ilustra um fato para sua melhor compreensão, este fato citado em Lucas 18.15-17 ilustra a parábola do fariseu e o publicano. Ou seja, que devemos receber o Reino de Deus como uma criança; com as qualidades de uma criança, tais como (1) confiança –  no sentido de simplicidade, ingenuidade, que não tem desconfiança; (2) impotência – no sentido de fragilidade, que não tem defesa; e (3) docilidade – ou seja, acessibilidade a todo ensinamento, que não tem resistências.

Em Lucas 18.18-30, Jesus alerta sobre alguns perigos que podem nos impedir de herdar o Reino de Deus, como as riquezas, por exemplo.

Enfim, Lucas 18.31-34, conclui que a respeito desta questão da vinda do Reino de Deus, o Filho do Homem terá que morrer, depois, ressuscitar, e, igualmente, preparar um lugar junto ao Pai para os Seus escolhidos, os que foram justificados nEle.

No entanto, enquanto isso, enquanto o Filho do Homem não vem, enquanto a vinda do Reino de Deus não se estabelece, temos que nos empenhar incessantemente num destes processos vitais de comunicação com Deus que é a nossa perseverança na oração.

O versículo 10 do capítulo 18 do Evangelho de Lucas diz que dois homens, um fariseu e, outro, publicano, tinham o hábito de orar no templo. Só que eles agiam bem diferentes, no espírito e propósito de suas orações.

Os fariseus eram a elite espiritual daquela época. Eles eram a elite religiosa, como muitos dos que se dizem crentes ainda hoje. Eles mantinham a autoridade das Escrituras. Eles acreditavam no sobrenatural e na ressurreição.

A palavra “fariseu” vem do hebraico “parash”, e significa "separar". Eles tinham se separado dos gentios e da forma helenística de vida. Tinham por hábito fazer justiça a seu modo. Eles se viam como o último bastião da moralidade.

Já os publicanos eram os coletores de impostos. Como acontece ainda hoje, os cobradores de impostos eram vistos com desprezo. Eles eram homens que pagavam o governo romano para comprar uma franquia para poderem recolher os impostos do povo. Assim, mantinham seus lucros sobrecarregando as pessoas por meio dos impostos que cobravam.

Os publicanos eram considerados os párias da sociedade. Sua presença nas sinagogas não era permitida. Eram tratados com desdém pelos fariseus. Em Lucas 15.1,2 Jesus foi criticado pelos fariseus porque comia com publicanos e pecadores.

Em sua oração, o fariseu agradeceu a Deus porque não era igual aos outros homens, muito menos àquele publicano, que também orava ali à sua frente. O fariseu recitou todas as suas obras meritórias. Por sua vez, o publicano rogou, contrito, pedindo misericórdia, como um pecador.

Alguma semelhança com os nossos dias?

Até que ponto nós podemos considerar-nos melhores do que os outros, principalmente dos menos favorecidos em quaisquer circunstâncias? Só porque somos crentes ou temos um cargo importante na Igreja? Ou porque somos membros mais antigos? Só porque temos o que consideramos um bom emprego ou temos um cargo importante em alguma empresa de prestígio?

Devemos ter cuidado para não cairmos nessas armadilhas.

2.      A oração que agrada a Deus não deve envolver nenhum excesso de auto-estima da nossa parte, nenhum tipo de vaidade, orgulho, arrogância ou prepotência.

“O fariseu, posto em pé, orava de si para si mesmo, desta forma: Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano; jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho.”Lucas 18.11,12

Será que Deus é obrigado a ouvir tantas peripécias, tantas baboseiras, que ainda acontecem nos dias de hoje no meio da Igreja? Será que Deus é obrigado a rebaixar-Se diante daquilo que pensamos ser, e ter, para que Ele possa conceder-nos aquilo que pretensamente queremos e pedimos?

Será que Deus tem que me abençoar porque eu cumpro tudo direitinho, porque faço tudo o que é preciso, conforme a lei manda? Porque eu sou o cara? Mas será que sou mesmo esse cara diante de Deus?

A nossa oração não deve ser um toma-lá-dá-cá diante de Deus, nem um “negócio” com Ele. Deus não é o meu servo, o meu empregado, ou o meu escravo que trago comigo como um cachorrinho, puxando-O numa cordinha amarrada ao pescoço dEle para satisfazer os meus desejos ou exibi-lO àqueles que ainda não O alcançaram. Também não é por nossos próprios méritos que Deus nos concede a Sua graça.

Isso não é uma oração. Isso é uma antioração que poderá gerar sérios prejuízos à nossa fé.

Deus já sabe tudo sobre nós. Nós temos apenas é que saber colocar-nos diante dEle, pedir, condizente e condignamente, com a nossa própria boca, para que Ele possa nos ajudar. Nós temos é que fazer a nossa parte direitinho para que Ele também possa atender-nos direitinho.

Orar não é tecer diante de Deus um rol daquilo que pensamos ser ou ter. Por mais que tenhamos ou somos, não temos e não somos nada diante dEle. Cumprimos apenas com a nossa obrigação de sermos gratos a Ele por tudo. Somos servos inúteis, incapazes de avançarmos um palmo à frente do nosso nariz, se não tivermos a permissão de Deus.

 Tiago 4.1-4 diz que não temos nada porque não pedimos; e se pedimos, não recebemos, porque pedimos mal.

3.      A oração que agrada a Deus deve envolver a humildade e o reconhecimento sincero da nossa posição de necessitado e pecador que depende única e exclusivamente de Deus.

“O publicano, estando em pé, longe, não ousava nem ainda levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, sê propício a mim, pecador!” – Lucas 18.13

O livro de Joel Beeke “João Calvino: Amor à devoção, doutrina e glória de Deus” [3] diz que Calvino defendia que a oração não podia ser realizada sem disciplina. Ele escreveu: “Se não fixarmos certas horas do dia para a oração, ela escapará facilmente de nossa memória”.

Calvino prescreveu várias regras para orientar os crentes a oferecerem oração fervorosa e eficaz.
§  a primeira é um senso sincero de reverência.
§  a segunda regra é um senso sincero de necessidade e arrependimento.
§  a terceira regra é um senso sincero de humildade e confiança em Deus.
§  a regra final é ter um senso sincero de esperança confiante.

Enquanto o fariseu orava de si para si mesmo, confiante em si mesmo, nele não havia nenhuma humildade. Ele estava cheio de orgulho. Ele baseava na sua própria justiça. Ao pensar que com suas próprias palavras estivesse adorando a Deus, na verdade, ele estava adorando a si mesmo.

Já o publicano tinha uma postura diferente. Ele não se dispunha nem mesmo a levantar os olhos para o céu. Era um coração cheio de tristeza e arrependimento. Sua oração era diferente. Sua oração era de arrependimento. As palavras da sua oração eram significativas: “Ó Deus, sê propício a mim, pecador!”

Nos dizeres de Stevenson, [4] a oração do publicano era curta e direta como numa mensagem de telegrama: Sê misericordioso. Assinado: O Pecador. Enquanto o fariseu baseava na sua própria justiça, o publicano olhava para a justiça de Deus.

4.      A oração que agrada a Deus salva os pecadores, quebranta os corações e exalta os que se humilham.

Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque todo o que se exalta será humilhado; mas o que se humilha será exaltado.” – Lucas 18.14

A Bíblia está recheada de pessoas que persistentemente oravam. Incansavelmente, prostravam-se diante de Deus a ponto de pensarem mal delas por causa do seu jeito de orar. Mas, no final, elas conseguiam os seus resultados. Deus ouvia o pedido delas.

O próprio Senhor Jesus orava persistentemente. Na Sua agonia, antes de ser traído e preso para ser levado à morte, mesmo ciente do Seu papel, humildemente, Ele orava a Deus-Pai intensamente enquanto Lhe aparecia um anjo que Lhe confortava (Lucas 22.39-46).

Diferentemente, enquanto o Senhor Jesus persistia em Suas orações, os Seus discípulos, que foram convidados a orar com Ele, dormiam (Mateus 26.38-41).

Quantas vezes nós não trocamos esses momentos tão decisivos para nossas vidas e tão importantes para o nosso fortalecimento espiritual  –  e também para o nosso conforto, até mesmo material –, por outros momentos que pensamos ser mais cômodos para a nossa auto-estima? Para o nosso bel-prazer? Ou até mesmo para dormirmos, literalmente?

Será que estamos vigiando e orando realmente? Ou invertendo os termos, orando, somente depois do malfeito, sem vigiarmos, primeiro? Será que não estamos alimentando as nossas próprias tentações?

A oração silenciosa de Ana, mãe de Samuel (1 Samuel 1.9-18), agradou tanto a Deus que ela foi atendida.

A oração do publicano agradou a Deus, e não a do fariseu. Enquanto o fariseu confiava nos seus próprios méritos, não entendendo que nenhuma justiça humana é suficiente diante de um Deus que exige perfeição (Mateus 5.48), o publicano confiou na graça de Deus, e a encontrou. Foi justificado. Foi perdoado o seu pecado.

É certo que Deus ainda ouve as nossas orações como ouvia no passado. A oração tem poder, desde que seja feita conforme o ensino bíblico. O próprio Senhor Jesus dá-nos o modelo de oração perfeita (Lucas 11.1-4). Mas devemos estar em condições para poder pedir a Deus (Isaías 1.15,16; Mateus 21.22).

E quanto a nós, você, e eu, será que as nossas orações têm agradado a Deus? Será que a nossa humildade tem sido verdadeiramente sincera? Será que temos nos entregado com toda sinceridade ao Senhor? Será que estamos colocando nossos pedidos, ou mesmo a nossa gratidão, diante do altar do Senhor com fervente oração?   

Concluindo, veja o que dizem alguns versos de um cântico antigo, e lindo, que ainda fala muito forte aos nossos corações:
        
Em fervente oração, vem o teu coração
Na presença de Deus derramar
Mas não podes fruir o que estás a pedir
Sem que tudo abandones no altar
Se orares, então, sem que o teu coração
Goze a paz que o Senhor pode dar
É que Deus não sentiu que tu'alma se abriu
Tudo, tudo deixando no altar


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NOTAS

[1] Porto, Carlos Osvaldo Cardoso. O Argumento de Lucas. In: Foco e Desenvolvimento no Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2008. p. 141
[2] Stevenson, John. Prayer, Pride and People of the Kingdom Luke 18.18-43. In: Bible Study Page. Disponível em http://www.angelfire.com/nt/theology/lk18-01.html Acesso em: 23/08/2012
[3] Beeke, Joel. As Quatro Regras de Oração de João Calvino.
[4] Stevenson, John. op. cit.