quarta-feira, 23 de setembro de 2009

SELVA HUMANA

“Se alguém quiser ser o primeiro, será o derradeiro de todos e o servo de todos” – Marcos 9:35b

VIVEMOS num mundo exageradamente competitivo, e quem fugir destes padrões consumistas de nossos dias é visto como um estranho no ninho, carregando sobre si todas as sequelas e chacotas por causa de uma postura desigual, além das discriminações e possíveis retaliações impostas por supostos detentores de certos poderes que se acham no direito de ditarem a moda que se deve seguir por todos a seu modo, e ponto final. Vivemos iludidos por chavões em nossa mente incutidos como se fôssemos gado marcado para ser despachado a um mercado que se tornou escravo do quanto mais, melhor, ou daquele que tem mais é o melhor. Somos vistos pelo que temos e não pelo que somos. Somos produtos das aparências, da hipocrisia, em todos os sentidos, e em quaisquer segmentos em que estamos inseridos, sejam eles laicos ou não. Desde pequenos somos educados para sermos os mais bonitos, os mais inteligentes, os mais isso, os mais aquilo, senão não conseguiremos sucesso na vida, e assim por diante. Irrefletidamente, tomamos tais conceitos ao pé da letra, e construímos a nossa vida assim, arrasando tudo e todos, pisando em tudo e em todos, até naquilo que com muito amor e com todo cuidado plantamos. Adotamos tais atitudes às vezes até por uma questão banal ou mesmo em troca de uma posição social, política ou até mesmo religiosa que, na realidade, jamais seríamos capazes de preencher, já que os nossos dons são visivelmente antagônicos a estes que tresloucadamente forçamos a sua prática, mesmo que em sã consciência seja impraticável, apenas para inviabilizarmos que outrem possa desempenhá-los bem melhor do que nós. Mas, não, “isto é meu; é meu! Sou eu que sei tudo. Fui eu que fiz. Nenhum outro é capaz, além de mim”, e assim vamos tropeçando. Estouramos, estrondosamente, vociferando que os outros são os outros, o resto, a gentalha... Em meio a esta insana ânsia pelo poder, por querermos ser sempre o melhor de todos e o maior dentre todos, o detentor de tudo, ou seja, os superpoderosos, perdemos o senso do ridículo, incapacitando-nos de distinguirmos com transparência quem é quem neste contexto e nestes conceitos de gente ordinária ou de ralé nesta pirâmide da desinteligência esparramada por esta selva de barbárie humana. Somos incapazes de refletirmos que somos reféns de nós mesmos, que somos intimamente atormentados dia após dia por nossos próprios estranhos desejos e pelo medo de botarmos o nariz ou os nossos próprios olhos para fora da janela e não sermos decepados de corpo inteiro ou atravessados por balas de todos os calibres disparadas por pessoas do mais baixo mundo por conta da nossa ganância, do nosso egoísmo, dos nossos maus desejos, da nossa imoralidade, das nossas corrupções, das nossas paixões desenfreadas, da nossa covardia, das nossas intrigas e mentiras, e da nossa retórica em relação a nossa falta de humildade e desapego aos bens materiais – e olha que isso vem enlameando todos os escalões da nossa sociedade há muito tempo para vexame de poucos. Aonde tudo isso pode nos levar? Em que pé estamos neste lamaçal? Até onde está o nosso dedo nisso tudo? Será que não temos nem um pingo de vergonha? Por onde anda aquela nossa dignidade cuja excelência pelo Pai das Luzes nos foi outorgada? Ou será que esta luz ainda não nos foi alcançada? Até quando vamos viver iludidos pelas bobagens deste mundo, embevecidos por este abjeto e efêmero glamour, apegados às coisas que são da terra, a estas coisas passageiras, que logo se apodrecem, e que estão bem longe daquelas coisas que vêm do alto? Quando vamos nos abdicar de tudo o que pertence à nossa natureza terrena? Quando vamos desistir de tanta idolatria?

E, então, quem é o maior nesta confusão toda com relação ao Reino dos Céus? Responder a esta pergunta talvez não seja tão fácil assim, no universo da nossa concepção humana, assim como também não foi aos discípulos de Jesus que discutiam entre si sobre tal assunto. Entre nós também talvez tenhamos este mesmo receio, até de inquirirmos uns aos outros, dada tanta competição entre os homens, posto que ninguém queira ficar por baixo como se isso fosse algum demérito para alguém quando se trata de sermos úteis aos serviços do SENHOR nosso Deus; àquilo que realmente fomos chamados a desempenhar na nossa comunidade. Talvez precipitadamente desejosos de transformarem-se em deficientes físicos ou em monstros, uns até se arroguem dizendo que não nasceram para serem cauda, mas, sim, cabeça, como se uma coisa desdissesse ou anulasse a outra, segundo Aquele que criou todas as coisas para o louvor da Sua glória. Ensinando a Seus discípulos, Jesus, como o Messias anunciado em toda a Escritura, como o Filho do Deus vivo e Redentor nosso apregoado em todos os tempos, que, por um imenso amor, rebaixou-Se ao nível dos homens, tomando sobre Si todos os nossos pecados e sofrimentos, além de anunciar Sua morte e ressurreição, deu o exemplo a todos os arrogantes e filhos da desobediência ainda presentes nos dias de hoje. Mas, sem destruir a noção de hierarquia funcional daquela sociedade, dada a sua importância de honra, assim como a preocupação de desempenhar um significativo papel na mente daquele povo, Jesus introduz uma revolução neste modo de pensar quando chama à parte os Doze e, reconhecendo explicitamente a posição de liderança deles, diz: “Se alguém quiser ser o primeiro, será o derradeiro de todos e o servo de todos.” Segundo os especialistas, Jesus não está atacando a posição de liderança, mas mostrando o modo que essa liderança deve ser exercida, como “último e servo de todos”. Princípio este que é exemplificado pelo próprio Jesus, que “não veio para ser servido, mas para servir e dar a Sua vida em resgate de muitos”.

Ao concluir Sua obra o supremo e divino Criador viu que tudo era bom, e, assim, por último, nela colocou o homem para dela usufruir de tudo, multiplicando-se nela, administrando-a para o seu próprio bem-estar e felicidade geral da humanidade. Só que, para isso, o homem teria que obedecer a certos requisitos ordenados por Deus. O desfecho desta história todo mundo já sabe, pois ainda respinga em todos nós, e, mesmo assim, ainda continuamos no auge da nossa ingratidão, soberba e desobediência. Ainda continuamos aprontando as nossas peripécias que vêm custando muito caro a cada um de nós, não apenas no campo espiritual, mas também aos quatro cantos deste mundo que jaz no maligno. São as farpas fincadas no nosso íntimo que sangram até na nossa carne. São resquícios de uma herança dos nossos próprios pecados. Haja vista os contrastes e as incoerências deste mundo; as catástrofes e aflições que sofremos, as guerras, a fome, e tantas outras mazelas e necessidades, se comparadas com a parte saudável de toda esta história, que anda bem distante daquela do jardim do Éden, e que ninguém pode escapar a esta rede de intrigas sem o socorro divino, já que a escravização ao pecado é voluntária e somente o Filho de Deus pode destruir tal servidão, substituindo-a por uma vida de perdão, gratidão e obediência, ou seja, uma nova vida. Também não podemos fugir de nossas responsabilidades, culpando os outros ou mesmo o próprio diabo por nossa situação. Somos responsáveis por nossos próprios atos, não o vizinho, o cara lá de longe, da esquina, de não se sabe onde, mas cada um de nós coopera com a sua parte, já que qualquer assunto resvala pela aldeia global. Temos que vestir a nossa própria carapuça, sem covardias nem fingimentos; pelo menos isso. Ninguém é uma ilha, que sobrevive isolado, longe de tudo e todos, muito menos nos dias de hoje, na era das mais avançadas tecnologias. Só que muitos ainda vivem muito longe da parte boa destes benefícios, como se vivêssemos em castas, a dos privilegiados e a dos outros, como se fossem predestinados a sobreviverem à míngua, eternamente. Resistência também tem seus limites. Há muito conhecimento e pouca sabedoria. Até quando? A verdadeira sabedoria vem de Deus. A epístola de Tiago fala desta sabedoria que vem do alto, posto ser possível alguém conhecer muita coisa e ter pouca sabedoria, já que o sábio é aquele que tem fé, é submisso a Deus, e, além de ser ensinado por Ele, aceita críticas, aprende e cresce com elas. Já uma sabedoria falsa e simulada, pode produzir inveja e rivalidades, ciúmes e contendas, aguçando os nossos instintos desregrados de onde provém toda a maldade, inclusive o vandalismo, assassínio, adultério, furtos, malícia e outros pecados que violam as pessoas, e provocam caos na comunidade. Segundo Tiago, esta não é a sabedoria que vem do alto, mas é terrena, animal e diabólica. “Porque onde há inveja e espírito faccioso aí há perturbação e toda a obra perversa. Mas a sabedoria que do alto vem é, primeiramente, pura, depois, pacífica, moderada, tratável, cheia de misericórdia e de bons frutos, sem parcialidade e sem hipocrisia.” A epístola continua examinando as causas das discórdias que existem entre os homens, assim como nas comunidades cristãs, denunciando a ganância de acumular bens materiais e, consequentemente, a inveja, em relação àqueles que possuem mais que os outros. Assim, as guerras, as lutas, as contendas existem por causa do nosso egoísmo em procurar dominar os outros quando, na verdade, deveríamos colaborar, até mesmo com os mais necessitados, os pobres e os desvalidos em qualquer circunstância. Mas não; todos queremos alcançar os primeiros lugares, não os últimos, como aconselha o próprio Senhor Jesus, que tanto insistiu nisso, e serviu de exemplo em toda a Sua vida prática. É o que todos deveríamos priorizar em nossa prática diária, como ressalta a epístola de Tiago, ou seja, todo aquele que se arroga uma superioridade deve provar de modo prático, e modestamente, tal superioridade por meio de seu bom procedimento no meio da sua comunidade, inclusive no meio cristão. Devemos não só praticar esta sabedoria, mas também ensiná-la aos demais para que estes também a pratiquem, e o mundo passe a ser mais solidário, em vez de solitário, em meio a tantas guerras, tanto ódio, enfim, tantos conflitos que têm sua origem na não-aceitação dos ensinos de Jesus que é o de colocarmo-nos a serviço do bem-estar dos outros, sejam eles quem forem, posto que quem semeia a verdadeira sabedoria, não apenas o conhecimento ou a exorbitância, semeia a boa semente que produz a justiça, a retidão, já que é em paz que se semeia o fruto da justiça, para os que promovem a paz.

REFLEXÃO DE HOJE
“Porque onde há inveja e espírito faccioso aí há perturbação e toda a obra perversa. Mas a sabedoria que do alto vem é, primeiramente pura, depois pacífica, moderada, tratável, cheia de misericórdia e de bons frutos, sem parcialidade, e sem hipocrisia. Ora, o fruto da justiça semeia-se na paz, para os que exercitam a paz. De onde vêm as guerras e pelejas entre vós? Porventura não vêm disto, a saber, dos vossos deleites, que nos vossos membros guerreiam? Cobiçais, e nada tendes; matais, e sois invejosos, e nada podeis alcançar; combateis e guerreais; e nada tendes, porque não pedis. Pedis, e não recebeis, porque pedis mal, para o gastardes em vossos deleites. Adúlteros e adúlteras, não sabeis vós que a amizade do mundo é inimizade contra Deus? Portanto, qualquer que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus. Ou cuidais vós que em vão diz a Escritura: O Espírito que em nós habita tem ciúmes? Antes, ele dá maior graça. Portanto, diz: Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes.” – Tiago 3:16-4:6

LEITURAS DE HOJE
Salmo 54; Jeremias 11:18-20
Tiago 3:16-4:6; Marcos 9:30-37

NOTAS
[1] Tiago 1:17; Colossenses 3:2,5,6,8; Romanos 6:13; 8:13; Efésios 4:19; 5:3,5; Mateus 6:19-22
ARMELLINI, Fernando. Celebrando a Palavra. Ano B. Trad. por Comercindo B. Dalla Costa. São Paulo: AM Edições, 1996. p. 406-411
[2] Marcos 8:31; 9:30-37; João 3:13-19; Colossenses 3:6; Marcos 10:45
Bíblia de Estudo de Genebra. Trad. por João Ferreira de Almeida. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. notas. p. 1163
[3] Gênesis 1:1-31; 2:4-25; 3:1-24; 6:3; 8:21; 1João 3:8; 5:19;Tiago 1:13-18; 4:1-6; Gálatas 5:22; 2Pedro 1:5-9
Bíblia de Estudo de Genebra. Trad. por João Ferreira de Almeida. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. notas. p. 1490, 1515
ROSS, ALEXANDER. A Epístola Geral de Tiago: Introdução e Comentário. In: O Novo Comentário da Bíblia, vol. 2. (editor em português R. P. Shedd). São Paulo: Vida Nova, 1963, 1990. p. 1394-1396. Reimpressão
SWIFT GRAHAM, C. E. O Evangelho Segundo São Marcos: Introdução e Comentário. In: O Novo Comentário da Bíblia, vol. 2. (editor em português R. P. Shedd). São Paulo: Vida Nova, 1963, 1990. p.1007.Reimpressão