segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Natal, Natal, Natal!...

TANTO se falou
e tanto ainda se fala
Come-se
bebe-se
festeja-se
Muitos até se matam
tornam-se estatística das pesquisas
e lá se vão os seus natais
Muitos odeiam o Natal
Mas nós comemoramos o Natal
Comemoramos, sim!
Comemoramos o nascimento do Messias
há muito tão anunciado
Porque um Menino nos nasceu
um Filho se nos deu
e o principado está sobre os Seus ombros
e se chamará o Seu nome Maravilhoso
Conselheiro
Deus Forte
Pai da Eternidade
Príncipe da Paz

Que viva o Natal
que Jesus nasça em cada coração
em cada um de nós
trazendo-nos um novo tempo
nestes tempos tão estranhos
e que possamos encher-nos da Sua graça
e aprendermos com Ele

Que haja em nós o mesmo sentimento dEle
que mesmo sendo em forma de Deus, esvaziou-Se a Si mesmo
Tornou-Se servo
Fez-Se semelhante aos homens
Na forma de homem, humilhou-Se a Si mesmo
Foi obediente até a morte
e morte de cruz
E Deus O exaltou soberanamente
e Lhe deu um nome que é sobre todo o nome
para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho
dos que estão nos céus
e na terra
e debaixo da terra
e toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor
para a glória de Deus Pai

Diante de tanta prepotência
Incredulidade
estupidez
e finidade
que aprendamos com Ele
com a Sua mensagem de salvação
de amor
e de paz
porque por amor a nós
sendo rico, fez-Se pobre
para que pela Sua pobreza enriquecêssemos

Mas quantos creem nisso?
quantos creem nEle?

Que viva o Natal!
que Jesus Cristo nasça em cada coração
no meu
e no seu
cotidianamente
e sem medo de sermos felizes
podermos aclamar Feliz Natal
e próspero Ano-novo
Feliz Ano-todo!
Todo dia!

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

PELEJANDO PELA FÉ

Aquela fé que uma vez foi dada aos santos

Maravilhoso é quando nossos corações e mentes são incomparavelmente alcançados por uma ação eficaz do Espírito divino. É quando passamos a perceber, daí para frente, que estes nossos corações e mentes não estão mais cauterizados nem vagando por aí, divagando, perdidos, inventando coisas que só mesmo quem vive de nulidades gosta de fazer.

Maravilhoso é quando não estamos mais à mercê de quaisquer ventos nem embalados por brados estranhos, e a nosso bel-prazer, como se fôssemos os donos do mundo no vale-tudo de uma vida rasteira.

Maravilhoso é quando somos sensíveis ao agir de Deus em nossas vidas, e que esse agir se espraia como luz em meio a trevas ou como brisa no deserto, que é este mundo incrédulo e pleno de falácias, escravizado por espíritos enganadores. E o que é pior, os seguidores deste mundo se acham os tais, desconstruindo - ou pelo menos tentando desconstruir - a grande mensagem que tem Cristo como fundamento e centro de todas as coisas. A mensagem de amor fraterno, de esperança, mas também de perseverança e, consequentemente, de fé.

Maravilhoso é perceber que esta mensagem vem sendo ensinada desde os mais remotos tempos e ainda hoje ela é revelada àqueles que creem. Àqueles que são privilegiados pela iniciativa soberana de Deus à salvação, posto que a Sua misericórdia para com pecadores indignos e a consequente paz estão baseadas em Seu amor manifestado em Jesus Cristo.

E todos somos pecadores indignos se não formos alçados por este privilégio da graça de Deus, e se não compreendermos o papel central deste mesmo Jesus Cristo no plano geral de Deus para a Sua criação[1], e nossa salvação.

Assim é que o apóstolo Paulo destaca o valor desta mensagem para nossa prática cotidiana, sendo que a pessoa que dominá-la nunca perderá o seu caminho, pois está perfeitamente instruído, plenamente preparado para o que der e vier. Esta mensagem está nas Escrituras, e elas mesmas são a própria mensagem revelada para os homens de Deus; os escolhidos - aqueles que foram chamados para aceitarem o convite do Evangelho.

E se realmente foram chamados, jamais desviarão dele. “Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda a boa obra."[2] Por isso é que os crentes em Cristo não devem desprezar porção alguma destas Escrituras, pois é dever cristão pelejar por sua fé.

Mas não é sempre assim. Humanamente falando, somos um universo à parte com todas as nossas incógnitas e fragilidades, egoísmos e outras fraquezas ou defeitos, que, geralmente, optamos por fazer extravasar toda a nossa arrogância, doa a quem doer, apenas por um objetivo unicamente pessoal, egocentricamente danoso à coletividade e ao padrão moral desta fé cristã.

E, óbvio, em desarmonia com as próprias Escrituras, os ensinamentos de Cristo. São os falsos mestres que, com seus falsos ensinos, habilmente, e sem espalhafato, secreta e furtivamente, inserem-se na comunidade; na Igreja. São “homens ímpios, que convertem em dissolução a graça de Deus, e negam a Deus, único dominador e Senhor nosso, Jesus Cristo”.

Isso acontece em todos os tempos, já que em todos os tempos existem pessoas - os seres humanos, que, embora criados à imagem e semelhança do divino Criador, trazem em si mesmos uma natureza perversa, pecaminosa; um legado herdado desde os tempos do seu primeiro protótipo. Contra esta vida natural dos homens sem a presença do Espírito de Deus[3] é que Judas denuncia a falta de entendimento espiritual deles, e, se estão sem este entendimento espiritual, pelo menos têm conhecimento instintivo da vida física, e, mesmo neste setor da vida, revelam-se moralmente pervertidos, nos dizeres de Robertson. “Estes, porém, dizem mal do que não sabem; e, naquilo que naturalmente conhecem, como animais irracionais se corrompem. Ai deles!"[4]

Depois de uma ampla descrição dos falsos irmãos, Judas agora passa a orientar os genuínos membros da Igreja[5] quanto ao seu comportamento na presença de tais homens para que estes não devam estar confusos devido a presença de pessoas falsas no seio da Igreja, tendo em vista que os próprios apóstolos já anteciparam esta situação. O dever deles consistia em conservar a fé e a pureza. Quando possível, deveriam procurar a recuperação moral e espiritual dos iludidos.[6]

Pois bem, o objetivo da epístola de Judas está compreendido no versículo 3. “Amados, procurando eu escrever-vos com toda a diligência acerca da salvação comum, tive por necessidade escrever-vos, e exortar-vos a batalhar pela fé que uma vez foi dada aos santos.” Rodeava os crentes o fantasma da sedução. Importava socorrer a comunidade.

Esta carta era muito oportuna. Na sua primeira parte esclarece a natureza da heresia disseminada pelos falsos mestres (v. 4-6); como que, pela licenciosidade em que vivem, se assemelham os hereges aos de Sodoma e Gomorra, e como que serão condenados ao mesmo castigo de destruição. A segunda parte (v. 17-25) contém conselhos adequados a tais erros. A oração perseverante, a fé, a prática do amor e a instrução comum para confortar e firmar a fé aos que sobrenadam em dúvidas, são os meios à mão, capazes de oposição às tiradas dos intrusos perturbadores do sossego espiritual dos crentes.

Finalmente, a conclusão de Judas é tida como uma das mais belas doxologias do Novo Testamento (v. 24, 25). Em contraste com o retrato sombrio dos hereges com o brilho da glória de Deus, Judas dá ânimo aos crentes em sua luta contra a heresia, e repete a promessa da proteção, mencionada no início da carta (v. 2), estabelecendo o tom confiante para essa defesa veemente da “fé que uma vez por todas foi entregue aos santos”.[7]

Assim, alguns estudiosos afirmam que esta carta mostra-nos a necessidade urgente de lutarmos para mantermos a pureza do verdadeiro Evangelho, mas que devemos permitir que nos mostre também que, nessa luta, mais do que em qualquer outra coisa, necessitamos do amor de Cristo em nossos corações e da sabedoria do Espírito Santo em nossa mente.

Escrita provavelmente entre os anos 68 e 75 d.C., Judas trata do mesmo assunto da segunda carta de Pedro, que é a questão do falso ensino. Segundo Green, há concordância geral entre os comentaristas de que a heresia em mira é, em ambas as cartas, uma forma de gnosticismo. A vida e os ensinos daquelas pessoas negavam o senhorio de Jesus.[8]

Esses falsos mestres estavam usando a liberdade cristã e a livre graça de Deus como licença para a imoralidade. Por sua vez, Judas dedica a maior parte de sua epístola (v. 4-19) à denúncia destes falsos mestres com a finalidade de impressionar os seus leitores com a seriedade desta ameaça.

Mas, na avaliação dos comentaristas, a estratégia de Judas é mais do que somente uma oposição negativa. Ele exorta aos seus leitores para que cresçam no conhecimento da verdade cristã (v. 20) e para que procurem resgatar aqueles cuja fé estava hesitante (v. 22, 23). Estes mesmos comentaristas deduzem que esta receita para confrontar erros espirituais é tão eficaz hoje em dia quanto o era quando foi escrita a carta de Judas.[9]

Vivemos em tempos difíceis, mas não tão diferentes daqueles em que estes homens de Deus denunciavam as mazelas dos falsos ensinos. As heresias, as seitas e seus séquitos sempre existiram, e sempre vão existir, desde que os homens, pensando apenas em si mesmos, excluem Jesus do centro das atenções, subestimando-O, e colocando outro “cristo” em lugar do Filho de Deus, tirando-Lhe a Sua divindade e os Seus atributos divinos.

Além, é claro, destes homens serem exclusivistas, proselitistas, e de utilizarem fontes extrabíblicas, assim como em seus ensinos apregoarem uma espécie de salvação totalmente antropocêntrica.

Mas quem disse que é fácil defender a sã doutrina? Quem é que nunca viu, em nossos dias, de um jeito ou de outro, algumas - ou pelo menos uma - daquelas cenas mencionadas acima?

Estas, e muitas outras, são cenas de um velho espetáculo que a cada tempo se traveste de novas aparências por conta de um manjado show da fé, como lobo em pele de cordeiro, mas que faz seus estragos a milhões de incautos quanto à cidadania do Reno de Deus, posto que seus objetivos são sempre os mesmos: transgredir a genuína Palavra de Deus na sua essência revelada nas Escrituras, iludindo a muitos, e semeando o joio de suas doutrinas entre os santos. Essas personalidades são reais, e fazem parte do nosso contexto nos dias de hoje; parecem obreiros de Cristo, mas são operários de Satanás.[10]

Precisamos aguçar cada vez mais a nossa sensibilidade, e estarmos atentos, de olhos bem abertos, e com os nossos corações e mentes incansavelmente inquietados, procurando apresentar-nos diante de Deus aprovados, como obreiros que não têm de que se envergonhar, que manejam bem a Palavra da Verdade.

Que o Santo Espírito de Deus nos capacite para podermos proclamar a Palavra, insistentemente, em qualquer situação, quer seja boa, quer seja má, corrigindo, repreendendo, exortando com toda a longanimidade e doutrina. “Porque haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas.”[11]

E esse tempo é hoje. Tempos de grandes questionamentos do conteúdo da fé cristã; em que teologias novas e especulativas são largamente disseminadas, e em que uma nova moralidade está sendo defendida. Nos dizeres de Green, são tempos em que o cristianismo nos está sendo apresentado em termos do amor, ao passo que o conteúdo da fé e da esperança para o futuro está sendo calado de modo estranho, em deferência ao clima intelectual contemporâneo.

O comentarista vai um pouco mais além quando reflete sobre um intelectualismo em boa parte do nosso cristianismo - que talvez não esteja muito longe daquele que é atacado nas cartas de Judas e de 2Pedro – cujo conhecimento tem pouco relacionamento com a vida santa.[12]

Mas ainda é tempo de o pecado ser desmascarado; de lembrarmos de que a persistência dos maus procedimentos sempre termina em ruína, e de que um intelectualismo despojado de amor é uma coisa infrutífera.[13]

Ainda há tempo de tomarmos uma atitude - se é que somos crentes cristãos, homens de atitude -, e agirmos como os crentes da Igreja primitiva - já que Judas escreveu sua carta como uma carta circular dirigida para várias Igrejas, sem nenhuma em particular -, defendendo com toda veemência a ortodoxia e o valor desta epístola, praticando-a, literalmente, pela causa da nossa salvação comum, batalhando, diligentemente, “pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos”, designando, aqui, o conteúdo da mensagem ensinada pelos apóstolos e professada por todos os cristãos como padrão para a Igreja.[14]

E que o Senhor nos dê forças para tanto, para resistir; para irmos até o fim em reverência à eterna grandeza de Deus em Sua glória, majestade, domínio e poder. Porque somente Ele é poderoso para nos guardar de tropeçar, e apresentar-nos irrepreensíveis, com alegria, perante a Sua glória. “A Ele, ao único Deus sábio, Salvador nosso, seja glória e majestade, domínio e poder, agora, e todo o sempre. Amém.”[15]

______________

Notas

1.Bíblia de Estudo de Genebra; Antigo e Novo Testamentos. Edição Revista e Atualizada no Brasil. Trad. por João Ferreira de Almeida. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. nota. p. 1521

2.2Timóteo 3:16,17; O Novo Comentário Bíblico - Novo Testamento. 1ª ed. Earl Radmacher, Ronald B. Allen e H. Wayne House (editores). Rio de Janeiro, RJ: Central Gospel, 2010. p. 614

3.ROBERTSON, Robert. A Epístola Geral de Judas: Introdução e Comentário. In: O Novo Comentário da Bíblia, vol. 2. (editor em português R. P. Shedd). São Paulo: Vida Nova, 1963, 1990. p. 1444, 1446. Reimpressão

4.Judas 10,11

5.Ibid. 8-16

6.Ibid. 17-23; ROBERTSON, Robert. A Epístola Geral de Judas: Introdução e Comentário. In: O Novo Comentário da Bíblia, vol. 2. (editor em português R. P. Shedd). São Paulo: Vida Nova, 1963, 1990. p. 1446. Reimpressão

7.PINTO, Carlos Osvaldo Cardoso. O argumento de Judas. In: Foco e desenvolvimento no Novo Testamento. 1ª ed. São Paulo: Hagnos, 2008. p. 584

8.2Pedro 2:1-3; Judas 4; GREEN, Michael. 2Pedro e Judas - Introdução e Comentário. 1ª ed. Trad. por Gordon Chown. São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1983. p. 36

9.Bíblia de Estudo de Genebra; Antigo e Novo Testamentos. Edição Revista e Atualizada no Brasil. Trad. por João Ferreira de Almeida. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. p. 1520

10.ANDRADE, Claudionor de. Judas. In: Lições Bíblicas - Aluno. 1º trim. 2002. Rio de Janeiro, RJ: CPAD, 2002. p. 8

11.2Timóteo 2:15; 4:2-4

12.GREEN, Michael. 2Pedro e Judas - Introdução e Comentário. 1ª ed. Trad. por Gordon Chown. São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1983. p. 7

13.Ibid.

14.2João 9,10; 1Coríntios 15:3-8; Bíblia de Estudo de Genebra; Antigo e Novo Testamentos. Edição Revista e Atualizada no Brasil. Trad. por João Ferreira de Almeida. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. nota. p. 1521

15.Ibid. p. 1523

Bibliografia

ANDRADE, Claudionor de. Judas. In: Lições Bíblicas - Aluno. 1º trim. 2002. Rio de Janeiro, RJ: CPAD, 2002

Bíblia de Estudo de Genebra; Antigo e Novo Testamentos. Edição Revista e Atualizada no Brasil. Trad. por João Ferreira de Almeida. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. p. 1520-1523

GREEN, Michael. 2Pedro e Judas - Introdução e Comentário. 1ª ed. Trad. por Gordon Chown. São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1983

HALLEY, H. H. Judas. In: Manual Bíblico: Um Comentário Abreviado da Bíblia. Trad. por David A. de Mendonça. São Paulo: Vida Nova, 1991. 10ª ed. p. 597-598

O Novo Comentário Bíblico - Novo Testamento. 1ª ed. Earl Radmacher, Ronald B. Allen e H. Wayne House (ed.). Rio de Janeiro, RJ: Central Gospel, 2010

PINTO, Carlos Osvaldo Cardoso. O argumento de Judas. In: Foco e desenvolvimento no Novo Testamento. 1ª ed. São Paulo: Hagnos, 2008. p. 577-588

ROBERTSON, Robert. A Epístola Geral de Judas: Introdução e Comentário. In: O Novo Comentário da Bíblia, vol. 2. (editor em português R. P. Shedd). São Paulo: Vida Nova, 1963, 1990. p. 1441-1447. Reimpressão

ROSE, Delbert R. A Epístola de Judas. In: Comentário Bíblico Beacon. v. 10. 1ª ed. Trad. por Valdemar Kroker e Haroldo Janzen. Rio de Janeiro, RJ: CPAD, 2006. p.351-381

WIERSBE, Warren W. JJudas. In: Comentário Bíblico Expositivo: Novo Testamento. v. 2. Trad. por Susana E. Klassen. Santo André, SP: Geográfica, 2006. p. 699-719

domingo, 31 de outubro de 2010

AS BASES DA REFORMA PROTESTANTE

HÁ QUASE 500 anos a Igreja medieval passava por uma situação vexatória de escândalos, e de campanhas enganosas, como bem sintetizava naquela época um jingle que se tornou popular por meio de seu principal maquinador, o monge dominicano Johannes Tetzel, que se fazia ouvir em praças públicas diante de ingênuas multidões: “Assim que a moeda no cofre tilintar, a alma do purgatório irá saltar”. Estes eventos tiveram seu auge por volta do outono de 1517 quando Tetzel prometia a seus ouvintes que estes poderiam obter a remissão dos pecados de seus entes queridos que já haviam morrido e ido para o purgatório. O purgatório, segundo os ensinos escatológicos das Igrejas Católica Romana e Ortodoxa Grega, é o lugar para onde vão as pessoas que, em vida, não foram santas o suficiente para irem diretamente para o céu, nem más o bastante para serem condenadas ao inferno, e que, por isso mesmo, por um processo de experiências purificadoras, estas pessoas são preparadas para o céu. O purgatório era um lugar de punição temporal pelos pecados, e o tempo que a pessoa deveria passar lá seria determinado pelo número e gravidade das ofensas. Quando uma pessoa tivesse sido completamente purgada ela seria liberada para ir para o céu.

Mesmo diante de algo tão grosseiro, que se não fosse verdade, seria cômico, se se tomar como alicerce as Sagradas Escrituras, as pessoas apareciam de todos os lugares, procurando libertar seus queridos das chamas da punição, juntando seus bens e correndo até Tetzel para comprar estes documentos, já que Tetzel levava estas pessoas a crerem que podiam obter o perdão meramente ao colocarem suas moedas no caixa dele, e que elas levariam em troca os certificados oferecidos por ele. Era a famigerada venda de indulgências por parte do catolicismo romano que pretendia, com isso, financiar a construção da grande catedral de São Pedro, em Roma. O papa oferecia o perdão dos pecados para quem contribuísse financeiramente para o empreendimento. E as pessoas caíam no tão conhecido conto do vigário.

Pelo que se pode depreender disso tudo é que essa história já vinha de muito longe. Segundo o pastor e professor de história no Cedarville College, em Ohio, EUA, Dr. James E. McGoldrick, já nos anos 1460-1470, o papa Sixtus 4º declarava que os benefícios obtidos através das indulgências poderiam ser transferidos para os crentes que já haviam ido para o purgatório porque, de acordo com os ensinamentos da Igreja Católica – ainda segundo dados do Dr. McGoldrick –, esta tem a custódia dos Tesouros dos Méritos que são adquiridos pelos grandes santos que haviam excedido as boas obras necessárias para a sua salvação. Esse excesso de méritos tornava-se uma fonte da qual a Igreja poderia distribuir méritos aos que estavam deficientes, e a indulgência tornou-se o meio pelo qual os pecadores necessitados poderiam obter méritos desta Tesouraria.

Diante de tais atitudes, vê-se que a Igreja havia se desviado dos ensinos do Evangelho. A Igreja havia se tornado totalmente corrupta. Mergulhada no luxo e riquezas, além de vender indulgências, cobrava altos impostos, e disputava o poder com o Estado romano. A autoridade papal havia se auto-outorgada acima da autoridade bíblica. O poder temporal havia tomado o lugar do espiritual. Criaram-se tribunais eclesiásticos para julgar as causas que se consideravam “matérias de fé”. Os apologistas, que deveriam ser os guardiães e defensores da fé, tornaram-se déspotas, e mandavam para o martírio grandes nomes que poderiam trazer muita contribuição, não somente para a teologia, mas também para a própria Igreja naqueles dias, e talvez futuramente.

Nestes tempos surgiram importantes grupos que se mantiveram na clandestinidade por causa do braço opressor e temporal dominante na Igreja. Ao longo da história destacam-se os valdenses, os albigenses ou cátaros, os anabatistas, e tantos outros. Mas no lugar em que a Igreja passava, ela deixava o rastro do martírio, da destruição, silenciando aqueles que se opusessem a qualquer uma de suas doutrinas e práticas, não importando por quais meios, somente pelo objetivo de se tornar uma igreja universal através do Império Romano. A Igreja havia perdido a sua visão de Reino de Deus e buscava o reino que Satanás ofereceu a Cristo no monte da tentação (Mt 4:8).

Muitos descontentes quiseram reformar aquelas estruturas em decomposição dentro da Igreja. Neste período conhecido como a “Idade das Trevas”, muitos homens tidos como pré-reformadores sofreram o martírio por testemunharem a sua fé. Séculos antes da Reforma propriamente dita, homens como João Wycliffe, na Inglaterra, João Huss, na então Tchecoslováquia, assim como Jerônimo Savanarola, Jerônimo de Praga, e tantos outros, já haviam dado suas vidas por se oporem a estes ensinamentos da Igreja de Roma. Todos estes pré-reformadores tinham motivos de sobra para combaterem toda esta gama de incoerências que contaminava a sã doutrina. Erasmo de Roterdã defendia que a Igreja precisava ser reformada porque havia abandonado os verdadeiros ideais cristãos. Afirmava que a vida era muito mais importante que a doutrina ortodoxa, e que os frades enquanto se ocupavam com distinções sutis levavam vidas escandalosas. Erasmo desejava a reforma dos costumes e a prática da decência e da moderação.

A oposição a esta Igreja corrompida e a seus falsos ensinamentos colheu seus frutos no século 16. Mas lá pelo final do século 15 já havia sinais de fincar seus rumos. Fatos importantes aconteceram neste período, coincidindo com a invenção da imprensa de onde surgiu um intenso interesse pelas letras. Muitos dos estudiosos passaram a se interessar pela leitura das Escrituras e sua tradução. Havia muita coisa escrita sobre as mazelas da Igreja de Roma. A invenção da imprensa com a arte tipográfica teve um impacto notável sobre as letras neste período. Os livros se tornaram mais acessíveis, e era possível reproduzirem-se em quantidades maiores aqueles livros mais apreciados da antiguidade. A exposição literária dos autores estava preservada porque se podia obter centenas ou milhares de cópias idênticas, sem rasuras, emendas ou outras distorções editoriais carentes de revisão.

Somando a esse despertar na literatura e na arte, Cristóvão Colombo, com o auxílio da bússola, havia erguido o véu que escondia os horizontes do Ocidente, descobrindo para o povo europeu um outro hemisfério. Vasco da Gama contornou o Cabo da Boa Esperança, abrindo, assim, uma nova rota para o comércio das Companhias das Índias. Além de um sentimento nacionalista que deu origem a Estados modernos como a França, a Inglaterra e os países escandinavos, que se uniram sob monarquias relativamente fortes, todos estes fatores contribuíram para preparar o caminho de uma reforma religiosa que estava prestes a irromper. Os eruditos afirmam que muitos dos principais intelectuais da época viam no passado imediato, e às vezes no presente, uma época de decadência com respeito à antiguidade clássica, e por esta causa se empenhavam em provocar um renascer desta antiguidade em voltar às suas fontes, e em imitar sua linguagem e estilo.

A isto se chamou de Renascimento, que foi um movimento intelectual e artístico surgido na Itália nos séculos 14 e 15, onde teve sua melhor expressão. Segundo os especialistas, o Renascimento não somente se inspirou nas fontes clássicas da literatura e arte, mas também nos séculos 12 e 13. Sua arte tinha profundas raízes no gótico. Sua forma de ver o mundo tinha muito a ver com a cosmovisão de são Francisco e de Cícero. Sua literatura se inspirou em parte aos cânticos medievais que os trovadores levavam de região para região.

Assim, chegamos à Reforma, e o herói dela foi Martinho Lutero – um filho de mineiro, que nasceu em Eisleben, na Alemanha, em 10 de novembro de 1483. Sua família era pobre, mas gozava de respeito na comunidade. Lutero foi um monge católico-romano que, abraçando as idéias dos pré-reformadores, indignou-se, desafiou e protestou contra os abusos e as corrupções ligadas à venda de indulgências, e denunciou o ensino de que o perdão dos pecados poderia ser obtido através de “contrição, confissão e contribuição”, exigindo que toda esta questão fosse discutida pelos estudiosos da Universidade. Lutero convidou alguns colegas acadêmicos para um debate público a respeito das 95 Teses, ou objeções, que ele mesmo havia escrito sobre a venda de indulgências e proferiu três sermões contra as indulgências em 1516 e 1517.

Foi assim que em 31 de outubro de 1517 Lutero afixou as suas 95 Teses na porta da Igreja do castelo de Wittenberg, Alemanha. Esse fato é considerado como o início da Reforma Protestante. Lutero, então, iniciou um protesto que atraiu muitos seguidores, e logo os que se uniram a este protesto ficaram conhecidos como os “protestantes”, e as 95 Teses foram logo traduzidas para o alemão e amplamente copiadas e impressas. Após um mês já havia espalhado por toda a Europa.

A intenção de Lutero era reformar a Igreja Católica Romana, e, fazendo assim, estava desafiando a autoridade papal. Com a recusa da Igreja Católica Romana em dar ouvidos à chamada de Lutero para a reforma e retorno às doutrinas e práticas bíblicas, iniciou-se a Reforma Protestante, da qual surgiram quatro divisões ou tradições principais do protestantismo: Luteranos, Reformados, Batistas e Anglicanos; e Deus levantou homens piedosos em diferentes países para, mais uma vez, restaurar a Sua Igreja por todo o mundo.

Assim, a Reforma Protestante foi um movimento reformista cristão iniciado no século 16 por Martinho Lutero, que, através da publicação de suas 95 Teses, protestou contra diversos pontos da doutrina da Igreja Católica Romana, propondo uma reforma no catolicismo. Lutero foi apoiado por vários religiosos e governantes europeus, provocando uma revolução religiosa, iniciada na Alemanha, e estendendo-se pela Suíça, França, Países Baixos, Reino Unido, Escandinávia e algumas partes do Leste Europeu, principalmente os Países Bálticos e a Hungria. A resposta da Igreja de Roma foi o movimento conhecido como a “Contrarreforma”, ou “Reforma Católica”, iniciada no Concílio de Trento.

Os estudiosos afirmam que junto com a Reforma Protestante assentam-se quatro perguntas ou doutrinas básicas, que segundo criam reformadores protestantes como Martinho Lutero, Ulrich Zwinglio, João Calvino e João Knox, constituíam erro por parte da Igreja Católica Romana: Como uma pessoa é salva? Onde reside a autoridade religiosa? O que é a Igreja? Qual a essência do viver cristão? Tais questões estabeleceram o que seria conhecido como os princípios fundamentais da Reforma Protestante. São conhecidos como os Cinco Solas da Reforma, e era por estas cinco doutrinas bíblicas que os reformadores protestantes afirmaram sua opinião contra a Igreja Católica Romana, resistindo às ameaças que lhes eram feitas para que voltassem atrás nestes seus ensinamentos. Mas eles resistiam em nome da sua fé até mesmo ao ponto de morrerem por ela.

O professor Dr. McGoldrick, diz que de acordo com a definição do dicionário, a palavra “protestante” significa “um membro de algumas Igrejas cristãs que terminaram se separando da Igreja Católica Romana desde o século 16”, e que não é um termo pejorativo. A palavra é derivada do latim, da preposição “pro",que significa “para”, e o infinitivo “testare”, “testemunho”. “Protestante”, portanto, é “alguém que testemunha”. Um protestante é uma testemunha de Jesus Cristo e, consequentemente, da Palavra de Deus. O professor ensina que o protestantismo não é meramente o protesto contra a corrupção eclesiástica e o falso ensinamento; é o reavivamento, o renascer da fé bíblica, um renascer do cristão do Novo Testamento, com uma ênfase positiva sobre as doutrinas das Escrituras, graça e fé. Assim, utilizando a linguagem dos termos do latim do século 16, o protestantismo proclama Sola Scriptura, Sola Gratia, Sola Fide, Solus Christus e Soli Deo Gloria.

Sola Scriptura

"Somente a Escritura". O protestantismo genuíno, em qualquer lugar, declara que a Bíblia, unicamente a Bíblia, é a autoridade da fé cristâ e de prática de vida, pois esta é a fé dos nossos pais, “a fé que uma vez por todas foi entregue aos santos” (Jd 3). Somente pelo padrão das Escrituras é que todos os ensinamentos e doutrinas da Igreja devem ser medidos.

Lutero, como um simples monge agostiniano e teólogo obscuro, sem fortuna nem poder, quando teve que provar sua fé, em abril de 1521, na pequena cidade alemã de Worms, diante de uma assembleia formada de bispos, arcebispos, príncipes do Império, representantes das cidades livres, e bem no alto, acima de todos, o augusto Carlos 5º, rei da Espanha e “Santo Imperador de Roma”, diante daquela assembleia toda imponente, vestido com seu capuz, de pé diante de uma mesa em que estavam os seus folhetos e tratados que defendia, disse: “Desde que vossa serena majestade e vossas senhorias buscam uma resposta simples, eu a darei assim, sem chifres nem dentes. A menos que seja convencido pelo testemunho das Escrituras ou por mera razão (pois não confio nem no papa nem nos Concílios somente, pois é bem sabido que eles frequentemente erram e se contradizem), eu estou atado pelas Escrituras que já citei, e a minha consciência é escrava da Palavra de Deus. Eu não posso e não irei me retratar de nada, já que não é seguro nem correto agir contra a consciência”.

Uma das bandeiras da Reforma Protestante é que as Sagradas Escrituras são suficientes para assuntos de salvação e devem ser sempre a autoridade final, e não filosofias e tradição de homens ou decisões conciliares. O protestantismo renuncia a autoridade das tradições humanas. Quando Jesus debateu com os fariseus, e respondeu às suas críticas, Ele os acusou, dizendo: “[...] E assim invalidastes a Palavra de Deus, por causa da vossa tradição” (Mt 15:6). McGoldrick lembra que Jesus muitas vezes contradizia as tradições dos homens, mas Ele cumpria, mantinha e defendia a Palavra de Deus, e cita que no Sermão do Monte Jesus expôs a confiança dos judeus na tradição rabínica quando disse: “Ouvistes o que foi dito aos antigos [...]. Eu, porém, vos digo [...].” (Mt 5:21,22). “Desta maneira Jesus contradizia os ensinamentos tradicionais dos rabinos que haviam pervertido a Palavra de Deus através de falsas interpretações”, explica.

Como Paulo, os protestantes também acreditam que toda a Escritura é “inspirada por Deus”, que a Bíblia é o guia para a salvação e que através da Palavra escrita de Deus o crente torna-se “perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3:17). Quando estava partindo para Jerusalém, onde sabia que enfrentava muitas perseguições, mas que sabia também que, depois de sua partida, “lobos vorazes” se infiltrariam na Igreja de Éfeso e não poupariam o rebanho (At 20:29), o apóstolo reconheceu o valor da Escritura. Ele recorda aos presbíteros de Éfeso: “Jamais deixei de vos anunciar todo o desígnio de Deus” (At 20:27).

Muitos afirmam que o resgate da Palavra de Deus talvez tenha sido o maior trunfo da Reforma Protestante na certeza de que nada pode substituir a pregação da Palavra de Deus numa época em que era impossível ao povo ler as Escrituras. Os reformadores conseguiram colocar a Bíblia na língua das pessoas, tornando-a acessível a todos. Os especialistas também concordam que a Reforma não somente possibilitou que todos tivessem acesso à Palavra, mas também que ela, a Palavra de Deus, tivesse o lugar de honra que possui de direito, e que todos pudessem interpretá-la corretamente, o que não significa que cada um pode interpretá-la a seu modo, satisfazendo os seus próprios interesses.

Portanto, em resumo, a Palavra de Deus é infalível e absolutamente suficiente para nos ensinar tudo o que precisamos saber sobre a salvação e sobre o próprio Deus, além de ser a única fonte suprema desse conhecimento. Nenhuma outra fonte deve ser aceita, apregoa a Reforma.

Sola Gratia

“Somente a Graça”. A ênfase aqui se dava em razão da doutrina católica vigente de que as boas obras ajudariam na salvação do homem. Durante a Reforma, os líderes protestantes e os teólogos geralmente concordavam que a doutrina da salvação da Igreja Católica Romana seria uma mistura de confiança na graça de Deus e confiança no mérito de suas próprias obras, comportamento este chamado pelos protestantes de sinergismo. A posição reformada é a de que a salvação é inteiramente condicionada a ação da graça de Deus; somente a graça através da regeneração unicamente promovida pelo Espírito Santo, em conjuto com a obra redentora de Jesus Cristo. Consequentemente, defendem que o homem, que é naturalmente pecador – daí as ideias de depravação total do gênero humano –, é salvo, única e exclusivamente, pela vontade e ação de Deus sobre aquele que Ele quer salvar, pois o homem, sem essa ação de Deus, jamais O buscaria por si mesmo. "Não há ninguém que entenda; não há ninguém que busque a Deus." (Rm 3:11).

A Bíblia diz claramente que o homem pecador não tem qualquer esperança de salvação através de seu próprio esforço: “Pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie.” (Ef 2:8,9). McGoldrick afirma que o protestantismo nega todos os esquemas de salvação que promovem o homem e suas atividades e cerimônias religiosas como meio de vida eterna e perdão. Insiste ainda que a salvação vem através do puro e imerecido favor de Deus, pela graça somente, já que os desejos pecaminosos levam o homem cada vez mais para longe de Deus, vivendo em pecado, amando o pecado, e se não for pela misericórdia de Deus, morrendo em pecado. Jesus disse: “[...] Todo aquele que comete pecado é escravo do pecado.” (Jo 8:34). Em sendo assim, o homem pensa que é livre, mas ele é escravo do pecado e de Satanás. Mas o homem possui um certo tipo de liberdade, entretanto, McGoldrick diz que ele é livre para fazer o que quer, mas o que ele quer mesmo é pecar!

A respeito da trágica condição do homem caído Lutero refletia e a descrevia assim: “Eu creio que não posso por minha própria razão ou força, acreditar em Jesus Cristo meu Senhor ou buscá-lO. Mas o Espírito Santo me chamou através do Evangelho, me iluminou pelos Seus dons, e me santificou e preservou na verdadeira fé. Da mesma maneira, Ele chama, reúne, ilumina e santifica toda a Igreja cristã da terra, e preserva a sua união com Jesus Cristo na verdadeira fé [...]” Ao pensar na justiça e na santidade do Senhor, Lutero via-se tão pecador que se sentia perdido e completamente impossibilitado se alcançar a Deus, até que compreendeu
Romanos 1:17, “O justo viverá por fé”, e toda a sua vida se transformou.

A opinião dos especialistas é que Lutero e os outros reformadores entenderam que o homem não precisa tornar-se justo por meio do cumprimento das obras da Lei para poder alcançar a vida eterna, pois isto ele jamais conseguiria, uma vez que ninguém nunca cumpriu a Lei de Deus (Rm 3:10,20; Gl 3:11). Eles entenderam que, tendo como base a justiça de Cristo, Deus pode e efetivamente declara justo aquele que crê. Os especialistas afirmam que esse ato de declarar justo é algo completamente gratuito, pois o homem nada fez para merecer isso, uma vez que tudo provém da obra e dos méritos do Senhor Jesus. Desta forma, a justiça de Cristo é colocada sobre nós como se fosse nossa. Lembram ainda que era isso que Paulo chama de “o Evangelho da graça de Deus” do qual ele queria testemunhar mesmo que lhe custasse a própria vida (At 20:24), e esse Evangelho da graça de Deus era a boa notícia de que os pecadores podiam ser salvos por meio da obra salvadora de Cristo feita por eles.

Enfim, afirma a doutrina bíblica que a salvação é somente pela graça de Deus apenas, e que nós somos resgatados de Sua ira apenas por Sua graça. A graça de Deus em Cristo não é meramente necessária, mas é a única causa eficiente da salvação. Esta graça é a obra sobrenatural do Espírito Santo que nos traz a Cristo por nos soltar da servidão do pecado e nos levantar da morte espiritual para a vida espiritual.

Sola Fide

“Somente a Fé”. Historicamente, conhecida como doutrina da justificação pela fé, afirma que a fé, e somente a fé, justifica o pecador, isto é, o declara justificado diante de Deus – e isto é exclusivamente baseado na graça de Deus, através somente da fé daquele que crê. Por causa da obra redentora do Senhor Jesus Cristo é que são perdoadas as transgressões da Lei de Deus. Ou seja, afirma que aquele que crê que Jesus é o Cristo, creu porque Deus lhe deu essa graça, e por essa graça, através dessa crença, dessa fé, é salvo dos pecados, e da condenação que receberia por causa dos pecados. Pela fé, aquele que crê compreende o sacrifício do Filho de Deus e os méritos. A retidão de Jesus Cristo é aplicada a esse pecador que crê. É pela fé em Cristo que Sua justiça é imputada a nós como a única satisfação possível da perfeita justiça de Deus.

A posição oposta afirma que aqueles que creem recebem perdão baseado apenas em suas boas obras. Tal posição é chamada de legalismo.

Se a salvação ocorre pela graça somente, a forma ou método de recebê-la é a fé somente. Segundo os eruditos, a Reforma, entretanto, apregoou que a fé é uma questão de confiança, não na eficácia ou no ensino da Igreja, mas no poder de Deus que pode salvar plenamente os que se aproximam dEle confiando nos méritos de Cristo. Esses mesmos estudiosos ainda afirmam que os reformadores deixaram muito claro que quem salva é Cristo e não a fé. Ressaltam que a fé não pode ser considerada uma pequena obra que, em última instância, tem poder de nos salvar, mas que é apenas o instrumento pelo qual nos apropriamos da salvação conquistada plenamente por Cristo. Porém, esses eruditos lembram que, ainda assim, alguns poderiam entender que a fé é uma pequena obra necessária para a salvação, não fosse o ensino inequívoco da Escritura de que mesmo a fé é um dom de Deus (cf. Ef 2:8,9; Rm 12:3; Jd 3).

Historicamente, o conceito de Sola fide foi a base para Martinho Lutero desafiar a cobrança de indulgências pela Igreja Católica Romana, e, por essa razão, é chamada de Princípio material da Reforma Protestante, enquanto que a doutrina Sola scriptura é considerada Princício formal.

Solus Christus

“Somente Cristo”. Significa que obtemos a salvação somente por meio de Cristo. Esta doutrina bíblica afirma que a salvação é encontrada somente em Cristo e que unicamente Sua vida sem pecado e expiação substitutiva são suficientes para nossa justificação e reconciliação com Deus, o Pai. O Evangelho não é pregado se a obra substitutiva de Cristo não for declarada, e a fé em Cristo e Sua obra não forem propostas.

Por isso mesmo é que se defendemos a primazia das Escrituras, ou a doutrina da sola scriptura, obrigatoriamente temos que nos apegar a Cristo somente, ou a doutrina do solus Christus, posto que somente pelo padrão das Escrituras é que todos os ensinamentos e doutrinas da Igreja devem ser medidos, como já foi dito, e Cristo é o Cabeça da Igreja. Cristo é o centro das Escrituras. Ele mesmo disse a alguns religiosos de Sua época: “Examinai as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida eterna, e são elas que de Mim testificam.” (Jo 5:39; cf. Lc 24:27). Nesta passagem fica claro que as Escrituras testificam de Cristo, fazendo-nos crer que a busca daqueles que se recusam a encontrar Cristo nas Escrituras é fútil, porque lhes falta a iluminação do Espírito Santo (2Co 3:6).

Os protestantes caracterizavam os dogmas relativos ao papa como representante de Cristo e chefe da Igreja sobre a terra, o conceito de mérito por obras e a ideia católica de um tesouro vindouro por causa das boas obras como uma negação de que Cristo é o único mediador entre Deus e os homens. As Escrituras dizem que “[...] há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem” (1Tm 2:5). A Bìblia de Estudo de Genebra diz que o ministério salvífico de Jesus Cristo se resume nesta afirmação de que Ele é “o Mediador entre Deus e os homnes”. Daí, “mediador” ser aquele que aproxima partes que estão sem comunicação e que podem estar alienadas, separadas ou em guerra uma com a outra. O Mediador deve tratar com ambos os lados, identificando-se com ambos, defendendo os interesses dos dois, e apresentando cada uma das partes com base na boa vontade. Foi assim que Moisés foi mediador entre Deus e Israel (Gl 3:19), falando a Israel da parte de Deus, quando Deus outorgou a Lei (Ex 20:18-21), e falando a Deus da parte de Israel, quando Israel pecou (Ex 32:9-33:17). Assim, Cristo é “o Mediador da nova aliança” (Hb 9:15; 12:24), o iniciador de um novo relacionamento de consciente paz com Deus, indo além daquilo que era conhecido segundo as disposições do Antigo Testamento para tratar com a culpa do pecado (Hb 9:11-10:18).

A Reforma diz não a todas as tentativas humanas de se chegar a Deus. Somente Cristo pode nos conduzir a Deus e nos dar a salvação. A despeito de quaisquer outras ideias extravagantes em voga principalmente nos dias de hoje, o ensino das Escrituras enfatizado pela Reforma é que Cristo é absolutamente necessário para a salvação. Paulo disse a seus presbíteros em Éfeso que jamais havia deixado de “anunciar coisa alguma proveitosa, de vo-la ensinar publicamente e também de casa em casa, testificando tanto a judeus como a gregos o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus” (At 20:20,21). Atentar para os termos “arrependimento para com Deus” e “fé em nosso Senhor Jesus”, expressando que todos, sem exceção, devem vir a Deus da mesma maneira – em arrependimento pelo pecado (cf. At 26:20; Lc 24:47; Mc 1:15) e fé em Jesus Cristo, ou melhor, por intermédio de Jesus Cristo. Também nos leva a refletir que sem Cristo não há salvação, posto que se alguém não confiar na obra salvadora de Jesus, em hipótese alguma, poderá ser salvo.

Soli Deo Gloria

“Glória Somente a Deus”. É o princípio segundo o qual toda a glória é devida a Deus por Si só, uma vez que a salvação é efetuada exclusivamente através de Sua vontade e ação. Não só o dom da expiação de Cristo na cruz, mas também o dom da fé, criada no coração do crente pelo Espírito Santo. Esta doutrina afirma que a salvação pertence somente a Deus, e foi alcançada por Deus apenas para Sua glória. Isto demonstra que como cristãos devemos glorificar sempre e somente a Ele, e devemos viver toda a nossa vida perante a face dEle, sob a autoridade dEle, e somente para a glória dEle, ressaltando, na opinião de David Wright, a justificação da sabedoria e do poder de Deus contra a usurpação papal e as religiões feitas por homens, honrando a transcendência soberana e a predestinação providencial divinas.

Segundo os reformadores, nada, ninguém, nenhum ser humano, ou outros seres quaisquer, mesmo os santos canonizados pelo catolicismo romano, os papas, e quaisquer outras autoridades eclesiásticas, ou laicas, são dignos de qualquer glória que lhes seja atribuída. Toda glória provém de Deus, que é digno dela. Portanto, não há espaço para a glorificação do homem na estrutura bíblica da salvação levantada pelos reformadores. Toda a glória deve ser dada a Deus, porque este é Seu objetivo, que não deve ser visto como um gesto de egoísmo divino, mas de amor divino, como anota a Bíblia de Estudo de Genebra, ratificando que Deus quer ser louvado por Seu caráter meritório e exaltado por Sua grandeza e bondade. Deus quer ser reconhecido por aquilo que Ele é, e este Seu propósito tem dois lados ou duas etapas. De um lado, Deus revela Sua glória em atos de livre generosidade; e, de outro, Seu povo responde com adoração, dando-Lhe glória com ações de graças por aquilo que tem visto e recebido. Segundo a Bíblia de Genebra, os seres humanos foram criados para essa recíproca comunhão de amor, e a redenção oferecida por Cristo torna isso possível para os que caíram.

Os estudiosos lembram que gastamos a maioria de nosso tempo como Narcisos, contemplando nossa própria imagem distorcida no espelho, e não vemos com nitidez a autêntica imagem de Deus em nossa vida, sem compreendermos quem realmente somos e quem Deus é, não percebendo que não temos alternativa a não ser nos prostrarmos e exaltarmos o Seu nome.

Finalizando

A hora de protestar. Enfim, são estas as bases da Reforma Protestante, cinco importantes e fundamentais doutrinas que nos alicerçam biblicamente quando se trata de testificar a razão da nossa fé, embora estas bases estejam sendo descartadas por muitos de nós nos dias de hoje, numa deslavada grosseria, desconsideração ou ignorância, propositadas ou não, se não para com o Absoluto e Soberano Triúno Deus e Sua Palavra, no mínimo, para com o sangue derramado daqueles que tanto lutaram para que pudéssemos libertar-nos daqueles dias de trevas, corrupção e manipulação de poderes, e vivermos até então usufruindo – se é que usufruimos mesmo – de todas aquelas bênções sem nenhum esforço de nossa parte.

Depois de mais de 500 anos do nascimento de Lutero, em 1483, e quase 500 anos depois que o próprio Lutero, naquele 31 de outubro de 1517 afixou as suas 95 Teses na porta da Igreja do castelo de Wittenberg, na Alemanha, abrindo, assim, um clarão para os novos tempos, e que refletiu em todo o mundo, parece que a Igreja de nossos dias está voltando para aqueles tempos da lamentável “Idade das Trevas”, tempos do atraso, tempos das falácias, das fábulas e vãs filosofias, ou algo parecido.

Assim como naqueles tempos, nos dias de hoje, nós, que dizemos que somos cristãos – às vezes até arrogantemente diante daqueles que necessitam avidamente de ouvir simplesmente e sem nenhuma tergiversação as maravilhas das boas-novas da salvação para uma real transformação de vida –, precisamos rever muitos dos nossos conceitos que se desviaram diametralmente daqueles defendidos pela Reforma Protestante, e agirmos como ela mesma ainda proclama, reformados, mas sempre reformando, ou seja, aproximando-nos sempre, e cada vez mais, da verdade absoluta anunciada nas Escrituras, que tanto os reformadores defenderam.

Evidente – como alguns já defendem em nossos dias, especulando sobre uma possível nova Reforma Protestante – que é muito importante avaliarmos a Igreja e seus ensinos nos dias de hoje, tendo como base as lições dos reformadores do século 16. De muitas formas, grande parte da cristandade precisa ser desafiada a retornar a essas doutrinas fundamentais de fé da mesma forma que os reformadores desafiaram a Igreja Católica Romana naqueles tempos, proclamando o genuíno Evangelho, ou seja, defendendo os cinco solas. Do contrário, devemos seguir o conselho do professor e estudioso de História da Reforma, Dr. James E. McGoldrick: “Se a Igreja da nossa geração não estiver fazendo isto, chegou a hora, novamente, de protestar!”

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Bibliografia

ANGLADA, Paulo. Calvinismo - As Antigas Doutrinas da Graça. São Paulo: Puritanos, 2000

_________ Sola Scriptura - A Doutrina Reformada das Escrituras. São Paulo: Puritanos, 1998

As 95 Teses. Trad. e ad. por R. Hasse; publicado pela Igreja Evangélica Luterana do Brasil. s/d

Bem-Vindo à Reforma. In: Revista Expressão A Essência da Fé - Introdução à Teologia Reformada. São Paulo: Cultura Cristã. s/d. p. 1-6

Bíblia de Estudo de Genebra; Antigo e Novo Testamentos. Edição Revista e Atualizada no Brasil. Trad. por João Ferreira de Almeida. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. p. 932,1238, 1376, 1444, 1453

Confissão de Fé de Westminster. 18ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2008

Graça e Fé. In: Revista Palavra Viva. São Paulo: Cultura Cristã. s/d. p. 1-20

HODGE, A. A. Confissão de Fé Westminster Comentada. Trad. por Rev. Valter Graciano Martins. São Paulo: Puritanos, 2008

http://pt.wikipedia.org/wiki/Reforma_Protestante

http://www.gotquestions.or/portugues-Protestante.html

http://www.monergismo.com

http://pt.wikipedia.org/wiki/cinco_solas

- os quatro itens acima foram acessados em 13/8/2010

MCGOLDRICK, E. James. Três Princípios do Protestantismo. In: Jornal Os Puritanos, ano 2, nº 4, julho-agosto /1994. p. 4-9

SPROUL, R. C. Sola Gratia - A Controvérsia Sobre o Livre-Arbítrio na História. Trad. por Mauro Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2001

WRIGHT, David F. Protestantismo. In: Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã. Editor: Walter A. Elwel. Trad. por Gordon Chow. São Paulo: Vida Nova, 1990. v. 3. p. 194-197

sábado, 15 de maio de 2010

QUAL É A MINHA HISTÓRIA?

“Quando teu filho te perguntar [...], então dirás a teu filho: Éramos servos de Faraó no Egito; porém o SENHOR, com mão forte, nos tirou do Egito [...]” - Deuteronômio 6:20a,21

NENHUM de nós vive como se tivesse surgido do nada. Como se tivesse caído de paraquedas no meio de um deserto plenamente inóspito, sem deixar nenhum rastro ou sinal de luz a ser seguido, em todos os sentidos, longe de todos e de tudo, assim, sem passado nem futuro, sem perspectivas de nada na vida. Nenhum de nós foi miraculosamente engendrado para ser jogado fora feito lixo. Ou qualquer coisa descartável, como se o Criador estivesse errado na fórmula. Ou para ser enclausurado no topo de um castelo cercado com fortalezas por todos os lados como um ser rejeitado e isolado que, absorvido pelo seu próprio ego, pensa estar distante das inquietações ou porquês deste mundo, mesmo sendo muitos destes quesitos até absurdos e evasivos. Nenhum de nós tem qualquer direito de imaginar-se não ser passível de quaisquer inquirições sobre as coisas desta vida ou sobre nós mesmos. Todos temos a nossa história, de um jeito ou de outro, edificante ou não, brilhante, opaca ou não. Ricos ou pobres, pretos ou brancos, crentes ou incrédulos, cristãos ou não, todos temos os nossos compromissos como uma carga - no bom sentido, é claro -, para transportar - até geneticamente falando -, levando-a adiante para quem estiver à nossa frente como uma geração de um futuro que por herança assumirmos. E todos temos este legado como um fio de uma meada ou o elo de uma corrente que deve permanecer continuamente esticado; interligado por todos os lados. Sem deixar a peteca cair, todos temos as nossas responsabilidades que devemos anunciar como um toque de um clarim no silêncio de cada madrugada qual uma marca registrada. Todos temos uma história para contar, seja ela escrita ou não, que, mesmo sendo cuidadosamente guardada no íntimo do nosso coração, um dia, de um jeito ou de outro, esta poderá vir à tona, e ser resgatada, sendo, assim, detonada como se faz com uma bomba até então camuflada, não importa por quais mídias ou intenções, ou por quais dispositivos seja manipulada. Assim é que o passado de cada um de nós aponta para o nosso futuro de acordo com o que agirmos no presente. Lógico que nada é tão estático e didaticamente exposto assim como uma estaca fincada no chão, irretocavelmente imutável, ali plantada de cara para as intempéries que vêm e vão sem piedade alguma a nosso encontro para, enfim, sermos destruídos ou remodelados sem mais nem menos até mesmo contra a nossa própria vontade. Ou mesmo como se fôssemos meros seres inúteis e alienados à espera da morte, sem nenhuma opção libertária - e por que não até libertina e mais nada?-, enlevados pelas ondas salobras destes nossos tempos, por mais que tentemos fazer algo que realmente valha a pena. Mas valer a pena para que? Por que, para quem e como? Qual é o verdadeiro sentido de tudo isso? Será que a minha vida realmente vale a pena? Será que ela faz ou tem algum sentido? Qual é a minha história? O que é que eu tenho para contar que possa passar para frente, e que possa servir de parâmetro positivo para alguém, para os meus descendentes como família, comunidade ou como nação, consuetudinariamente ou não? O que eu tenho feito para a minha geração, individualmente ou como comunidade ou como nação? O que é que eu tenho para passar para alguém que possa marcá-lo para sempre no sentido de edificação de uma vida melhor, natural e espiritual? Qual é a sua história? Será que vale a pena contá-la, agora e futuramente, para os meus e os seus filhos ou parentes, vizinhos ou amigos?

Há fatos em nossa vida que nos transformam para sempre, mas que também exigem de nós paciência e pertinácia para que não percamos o cerne daquilo a que nos predispomos a seguir como num teste de fogo enquanto estivermos neste período de passagem até alcançarmos o alvo pretendido. Corremos riscos, perdemos muito do que até então pensávamos que eram de tão especial importância para nós e de que jamais pretendíamos abdicar-nos. É como se estivéssemos sendo desbastados por uma lâmina tão fina cujo efeito fosse tão dolorido que nos penetra até o fundo do nosso ser, sangrando no mais sensível do nosso íntimo, mas que muita vez nem percebemos, e mesmo sofrendo, continuamos presos a tão duras penas. No entanto, nada entendemos, e lamentamos esconjuradamente, e continuamos lamentando e sofrendo, apenas e tão somente, patinando, como se estivéssemos chafurdados num imenso lamaçal, sendo que o problema - ou a solução, depende da avaliação de quem esteja passando por tais peripécias -, está tão próximo de nós ou ainda até dentro de nós mesmos. Nós é que devemos mudar de rota, parar e repensar, e seguir à risca as regras das nossas metas, e vencer, ou fixar-nos numa pista esburacada e obscura que não vai dar em lugar nenhum, desviando-nos pelos precipícios de uma trilha tortuosa, e nos perder para sempre. Tudo depende de uma atitude de nossa parte, por menor que seja, mas que tem que ser tomada na hora exata. Sob a liderança de Moisés, depois que foram libertados da escravidão egípcia, os israelitas atravessaram o mar Vermelho, peregrinaram por um período de 40 anos pelo deserto, passaram por várias gerações, até que os tempos de julgamento haviam terminado e Israel preparava-se para entrar na Terra Prometida, sendo que este percurso poderia ter sido percorrido em pouquíssimos meses. Os eruditos afirmam que foi um dos períodos mais críticos da história daquele povo, pois, além de enfrentarem novos e terríveis inimigos ainda se sujeitaram a duras provas, ratificando sofrimentos e tantas outras perdas por causa da sua idolatria, murmurações e rebeldia, mas que também foi ali neste percurso que eles foram sendo tratados e tiveram várias experiências com Deus que não desviava o Seu foco daquilo que pretendia fazer com este estranho povo. A nossa infidelidade não anula a fidelidade de Deus. O SENHOR nosso Deus nunca perde o foco de Seus planos, inclusive do que Ele tem para cada um de nós, assim como também do que Ele quer de cada um de nós, por mais estranhos que possamos ser. Só temos que entender e obedecer a Sua mensagem, e cumprir a nossa parte, conforme a vontade dEle. Depois, é seguir sempre em frente sem desviar de Suas pegadas. Reiteradamente, Deus sempre indica o caminho, e até mesmo onde nos embocaríamos, dependendo dos nossos passos e de como andarmos nele, por nossa própria conta ou segundo a aquiescência dEle. Se de maldições ou de bênçãos, eis o roteiro da nossa própria vida.

Assim como caminhava aquele povo, assim também caminha a humanidade, e assim andamos todos nós ainda hoje, debaixo dos auspícios dAquele que sempre nos indicou os nossos passos, embora muitos de nós ainda fazem questão de caminhar por conta própria arriscando-se pelos ermos da perdição. Será que temos a sensibilidade para podermos perceber isso? Até que ponto somos sensíveis a tudo isso? Ou será que somos tão surdos, cegos ou mudos, e amparamo-nos em outras deficiências para não seguirmos tais pegadas direitinho? Ou será que estamos perdidos por aí no nosso deserto de cada dia? Naquele tempo, os israelitas tinham a nuvem que lhes seguia e pairava sobre o tabernáculo, indicando a presença de Deus naquele lugar, assim como também indicava o itinerário para a caminhada daquele povo. De noite, acompanhava-lhes uma coluna de fogo. Diz a Bíblia que a nuvem do SENHOR estava de dia sobre o tabernáculo, e o fogo estava de noite sobre eles, perante os olhos de toda a casa de Israel, em todas as suas jornadas, num indicativo da real presença de Deus ali no meio deles, atuando como o Guia deles que, ao alinharem-se e prepararem-se para partir e seguir viagem, eles nem sabiam para onde, posto que era Deus Quem mostrava o caminho por meio da nuvem. Até onde deveriam ir? Até que a nuvem parasse. “Assim, partiram de Sucote, e acamparam-se em Etã, à entrada do deserto. E o SENHOR ia adiante deles, de dia numa coluna de nuvem para os guiar pelo caminho, e de noite numa coluna de fogo para os iluminar, para que caminhassem de dia e de noite. Nunca tirou de diante do povo a coluna de nuvem, de dia, nem a coluna de fogo, de noite.” Diferente do fogo do julgamento divino, essa nuvem e esse fogo eram o sinal visível da glória de Deus sobre o Seu povo - a presença protetora de Deus -, porquanto o SENHOR estava cumprindo Sua promessa de permanecer com eles pessoalmente.

E nós hoje, o que somos e o que temos para testificar diante de um mundo incrédulo neste deserto tão avassalador? Obviamente que não temos a nuvem, tampouco aquela coluna de fogo. No entanto, nós temos, nos dizeres de Jan Rouw, um excelente Guia enquanto estamos neste mundo que, para nós cristãos, é um deserto. Não somos conduzidos por meio de uma nuvem visível, mas pelo Santo Espírito de Deus que habita em nós e do Qual somos templo, resgatados e pagos por um alto preço pelo próprio Senhor Jesus, sendo, assim, no corpo e no espírito, instrumentos de Deus. “Ou não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por bom preço; glorificai, pois, a Deus no vosso corpo, e no vosso espírito, os quais pertencem a Deus.” É o próprio Paulo quem exorta repetidas vezes os coríntios, lembrando-lhes, deste modo, o orgulho que tinham da plenitude do seu conhecimento e sabedoria cristã. Também estas lembranças aplicam-se a nós ainda hoje. Segundo os eruditos, esta passagem, além de esboçar o fato básico de que o crente cristão foi remido pelo precioso sangue de Cristo, e que, assim, Lhe pertence, proporciona-nos ainda a doutrina cristã a respeito do corpo e prepara-nos para a crença na sua ressurreição. Daí, nossa dedicação a Cristo deve ser mais profunda do que antes, quando pertencíamos ao mundo, antes de sermos resgatados, “porque nenhum de nós vive para si, e nenhum morre para si”. Vivemos e morremos para o SENHOR nosso Deus, Doador da vida e Senhor de todas as coisas, a Quem devemos toda glória e louvor. Portanto, essa nossa união com Cristo agora nos envolve por inteiro, e não somente o nosso corpo. Ou seja, a nossa união com Cristo é física e espiritual, isto é, corpo e espírito - ação esta eficazmente operada por uma atuação do Espírito Santo. O apóstolo ainda aplica ao indivíduo o conceito de Igreja como o novo templo onde Deus habita. Contudo, noutro ponto, ele também direciona o seu foco sobre o povo de Deus como uma coletividade inteira, o que os especialistas fazem-nos refletir que apesar de devermos estar conscientes desse caráter pessoal da residência do Espírito Santo em nós, a ênfase das Escrituras recai sobre a identidade coletiva do povo de Deus como um templo santo e como uma casa espiritual. Se antes Deus manifestava a Sua presença no templo, enchendo-o com a nuvem de Sua glória, hoje, Ele vive em Seu povo, enchendo-os com o Espírito Santo.

Assim, nós hoje também somos passíveis de estar peregrinando por aí, perdidos, sem encontrarmos a saída no meio do deserto do nosso dia a dia, se ainda priorizarmos em nossas vidas tudo aquilo que praticávamos antes de sermos resgatados da nossa escravidão, das nossas muitas transgressões, e se ainda não chegamos com os nossos pecados diante de Deus pedindo socorro e nem crermos no Senhor Jesus como um Hóspede divino que habita em nós, e que tem autoridade como nosso único intercessor diante do Pai, assim como também ainda não nos curvamos em oração solicitando humildemente a Deus que nos mostre o caminho da retidão - guiados pelo Espírito Santo, consequentemente. Ou seja, se ainda não provamos a alegria de sermos perdoados; a alegria da remoção dos nossos pecados; de sermos o santuário de Deus, guiados em segurança e guardados de todo passo em falso; de todo erro; de toda falácia, para não sermos os mais infelizes dos homens. “Bem-aventurado aquele cuja transgressão é perdoada, e cujo pecado é coberto. Bem-aventurado o homem a quem o SENHOR não imputa maldade, e em cujo espírito não há engano.” Se assim é, que assim seja, como bem acentua o salmista, assim como também retratam as Sagradas Escrituras a respeito da união de Cristo, o Mediador, com Seu povo redimido. “Eu sou a videira verdadeira, e Meu Pai é o lavrador. Toda a vara em Mim, que não dá fruto, a tira; e limpa toda aquela que dá fruto, para que dê mais fruto. Eu sou a videira, vós as varas; quem está em Mim, e Eu nele, esse dá muito fruto; porque sem Mim nada podeis fazer.” A metáfora da videira frequentemente é usada na Bíblia, tanto no Velho como no Novo Testamentos. Nos ensinos do Senhor Jesus, aplica-se à união entre o crente cristão e o SENHOR nosso Deus em que Jesus é a videira verdadeira de Deus, e o Pai é o lavrador ou agricultor. Os ramos só florescem se permanecerem na videira. E todo ramo sem fruto é cortado e os brotos frutíferos são cuidadosamente aparados para que deem mais fruto, enquanto Deus corta os ramos imprestáveis e joga-os fora. Os eruditos afirmam que os verdadeiros crentes são purificados pela Palavra de Deus e pela experiência de união com a videira verdadeira. Sem Jesus nada podemos fazer, já que a total incapacidade do pecador não regenerado torna a graça salvadora absolutamente necessária para a salvação, pois, se “verdadeira” significa “genuína”, Jesus é a “videira” final e real, se comparado a Israel que era um tipo que prefigurava a realidade. Se no Velho Testamento Israel é chamado de a “videira” ou a “vinha” de Deus, e é julgado por não produzir frutos, o Senhor Jesus é e faz aquilo que o tipo significa. Se nenhum ramo que está em Cristo pode ser totalmente infrutífero, todo ramo que pertence a Cristo produzirá fruto e será cuidado para que necessariamente possa aumentar os seus frutos. A falta de fruto pode significar a falta de obediência a Deus. E se a vinha e seus frutos considerados no Velho Testamento forem combinados com a ordem de Cristo a respeito do amor citada em alguns fragmentos do Novo Testamento, estas considerações podem indicar que este fruto refere-se a uma vida como a de Cristo produzida pelo Espírito Santo.

E a vida continua, a minha, a sua, e a de todos, sem nenhuma distinção, ilustrando a própria história de cada um de nós por mais que nos esquivemos ou que nossas fraquezas e estupidez, ou mesmo a nossa mediocridade, tentem desviar-nos, descambando para outros rumos. A nossa história sempre vai estar lá, escrita ou não, tocando ou não as gerações, de acordo com o andamento da nossa própria caminhada. Não a de outrem. Terminada a peregrinação dos israelitas, nas vésperas de entrarem em Canaã, mais uma vez todas as leis relacionadas com a vida religiosa, social e civil deles são-lhes repetidas e comentadas por Moisés a todos eles, sem exceção, anunciando o que Deus pretende deles e ainda lembrando-lhes o que Deus tinha feito por eles até então por meio de grandes e terríveis sinais e maravilhas, em antecipação à sua vida sedentária e aplicadas a ela. Leis essas em que se incluíam o grande mandamento de amar a Deus sobre todas as coisas, de todo o coração, de toda a alma e de toda a força, e que também foi repetida pelo próprio Senhor Jesus, em cujo ensino ocupou o primeiro lugar. “Quando teu filho te perguntar no futuro, dizendo: Que significam os testemunhos, e estatutos e juízos que o SENHOR nosso Deus vos ordenou? Então dirás a teu filho: Éramos servos de Faraó no Egito; porém o SENHOR, com mão forte, nos tirou do Egito; e o SENHOR, aos nossos olhos, fez sinais e maravilhas, grandes e terríveis, contra o Egito, contra Faraó e toda sua casa; e dali nos tirou, para nos levar, e nos dar a terra que jurara a nossos pais. E o SENHOR nos ordenou que cumpríssemos todos estes estatutos, que temêssemos ao SENHOR nosso Deus, para o nosso perpétuo bem, para nos guardar em vida, como no dia de hoje.” A história deste povo era tão importante que eles tinham que perpetuar essas ideias de Deus entre eles por todas as suas gerações. Eles não deviam depender apenas de instruções públicas, mas tinham também que ensiná-las diligentemente no lar; escrever partes importantes desta lei nas umbreiras das portas; atá-las nos braços e testas, e falar sobre elas constantemente com a finalidade de imprimir no povo a Palavra de Deus com persistência para que fizesse parte de sua própria natureza mental. E nós hoje, o que fazemos com todos estes conhecimentos, com todos os ensinos de Cristo? Ou mesmo com a nossa própria história, a nossa mensagem cristã permeada de alegria, de esperança e vitórias em que a Igreja de Cristo se tornará esplendorosa como uma esposa ornada para o seu esposo? Ou ainda sobre um tempo em que todos os males desaparecerão dando lugar a um novo céu e uma nova terra? Será que realmente acreditamos nisso ou achamos que a Palavra de Deus não passa de balelas diante deste deserto; deste mundo tão cruel? Cremos que Deus habitará para sempre com o Seu povo e enxugará toda a lágrima de nossos olhos para que não haja mais nem morte nem luto nem dor nem quaisquer outros tipos de violência? Você crê nessa história? Você crê que assim como Deus fez com aquele povo no deserto também nos livrará deste nosso deserto de hoje; deste mundo tenebroso? No que cremos, então? No que vale a pena acreditar nos dias de hoje? Como instruir as nossas gerações sobre os tão grandes e terríveis sinais e maravilhas da Palavra de Deus revelada em nossa vida? O que Deus quer nos ensinar em meio a nosso deserto? Em meio a esse mundo tão desafiador? É certo que todos temos a nossa história. Mas o que temos para contar? Qual é a sua história?

REFLEXÃO DE HOJE
“E vi um novo céu, e uma nova terra. Porque já o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. E eu, João, vi a santa cidade, a nova Jerusalém, que de Deus descia do céu, adereçada como uma esposa ataviada para o seu marido. E ouvi uma grande voz do céu, que dizia: Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens, pois com eles habitará, e eles serão o seu povo, e o mesmo Deus estará com eles, e será o seu Deus. E Deus limpará de seus olhos toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas. E o que estava assentado sobre o trono disse: Eis que faço novas todas as coisas. E disse-me: Escreve; porque estas palavras são verdadeiras e fiéis. E disse-me mais: Está cumprido. Eu sou o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim. A quem quer que tiver sede, de graça lhe darei da fonte da água da vida” – Apocalipse 21:1-6

LEITURAS DE HOJE
Salmo 118:19-29; Deuteronômio 6:20-25
Apocalipse 21:1-5; João 15:1-8

NOTAS
[1] Êxodo 13:17-14:14; 14:15-31; 16:1-36-17:1-7; Deuteronômio 1:3; 4:1-40; 5:1-33; 9:1-29; 10:12-22; 11:13-32
Bíblia de Estudo de Genebra. Trad. por João Ferreira de Almeida. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. notas. p. 201
MANLEY, G. T. Deuteronômio: Introdução e Comentário. In: O Novo Comentário da Bíblia, vol. 1. (editor em português R. P. Shedd). São Paulo: Vida Nova, 1963, 1990. p. 222-224, 235. Reimpressão
CONNELL, J. C. Êxodo: Introdução e Comentário. In: O Novo Comentário da Bíblia, vol. 1. (editor em português R. P. Shedd). São Paulo: Vida Nova, 1963, 1990. p. 150. Reimpressão
[2] Êxodo 40:34-38; Números 4:1-49; 9:17-22; Êxodo 13:20-22; 33:9,10,14-17; Números 9:15-23; 10:33-36; 11:25; Salmo78:14; 99:7; 105:39; Isaías 4:5
ROUW, Jan; KIENE, Paul F. A Casa de Ouro. 1ª ed. Diadema, SP: Depósito de Literatura Cristã, 1994. p. 32
CONNELL, J. C. Êxodo: Introdução e Comentário. In: O Novo Comentário da Bíblia, vol. 1. (editor em português R. P. Shedd). São Paulo: Vida Nova, 1963, 1990. p. 154. Reimpressão
Bíblia de Estudo de Genebra. Trad. por João Ferreira de Almeida. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. notas. p. 797
[3] Efésios 1:3-13; 1Coríntios 3:16,17; 6:15-20; Efésios 2:19-22; 1Pedro 2:4,5; 2Coríntios 6:16; Romanos 14:7; Isaías 43:7,21; Êxodo 29:43-46; 1Reis 8:10,11
ROUW, Jan; KIENE, Paul F. A Casa de Ouro. 1ª ed. Diadema, SP: Depósito de Literatura Cristã, 1994. p. 32
PROCTOR, W. C. G. As Epístolas aos Coríntios: Introdução e Comentário - 1Coríntios. In: O Novo Comentário da Bíblia, vol. 2. (editor em português R. P. Shedd). São Paulo:Vida Nova, 1963, 1990. p. 1201, 1202. Reimpressão
Bíblia de Estudo de Genebra. Trad. por João Ferreira de Almeida. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. notas. p. 1349, 1353, 1379
[4] Salmo 32:1,2; 1Coríntios 3:11; Efésios 2:20-22; 1Coríntios 6:15,19; 12:12; Efésios 1:22,23; 4:15,16; Romanos 7:4; Efésios 5:31,32; Apocalipse 19:7; Romanos 5:12,18-21; 1Coríntios 15:22,45,49; Isaías 5:1-7; João 15:1-17; Romanos 6:5; Salmo 80; Jeremias 2:21; Gálatas 5:22,23
Bíblia de Estudo de Genebra. Trad. por João Ferreira de Almeida. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. notas. p. 635, 1257
MACLEOD, A. J. O Evangelho Segundo São João: Introdução e Comentário. In: O Novo Comentário da Bíblia, vol. 2. (editor em português R. P. Shedd). São Paulo: Vida Nova, 1963, 1990. p. 1092. Reimpressão
[5] Deuteronômio 6:4-9,20-25; 10:12; 11:1,13,22; Mateus 22:37; Apocalipse 21:1-5
ARMELLINI, Fernando. Celebrando a Palavra. Ano C. Trad. por Comercindo B. Dalla Costa. São Paulo: AM Edições, 1996. p. 177, 178
HALLEY, H. H. Manual Bíblico: Um Comentário Abreviado da Bíblia. Trad. por David A. de Mendonça. 10ª ed. São Paulo: Vida Nova, 1991. p. 119, 142
MANLEY, G. T. Deuteronômio: Introdução e Comentário. In: O Novo Comentário da Bíblia, vol. 1. (editor em português R. P. Shedd). São Paulo: Vida Nova, 1963, 1990. p. 235. Reimpressão

terça-feira, 13 de abril de 2010

ETERNOS APRENDIZES

“Persiste em ler, exortar e ensinar. Medita estas coisas; ocupa-te nelas, para que o teu aproveitamento seja manifesto a todos” – 1Timóteo 4:13,15

DEPOIS da chamada fase tatibitate, ao passar para a idade dos porquês, meu filho, como qualquer outra criança, sempre nos fazia, assim como ainda faz, perguntas que sempre nos surpreendem, não somente por nos depararmos com a sua perspicácia no seu jeito de inquirição e curiosidade diante das coisas que vem descobrindo no seu dia a dia, mas também por, muitas vezes, nos forçar a optar por uma melhor saída no sentido de darmos uma resposta coerente, de acordo com a sua pergunta, e que possa do mesmo modo alcançar o seu entendimento, tendo em vista ser ele ainda uma criança, e de pouca idade.

Por sua vez, quando ele, então, argumenta alguma coisa e a gente pergunta por que ele pensa desse jeito, ele simplesmente responde “porque sim”, e pronto, sem nem uma outra alternativa ou explicação mais acurada. E a gente fica, assim, sem muito entender, alertando-lhe para que ele especifique melhor cada um do seu detalhamento sobre aquele determinado assunto para que possamos apreendê-lo.

Assim também caminha a humanidade em meio a seus sonhos, reptos e jornadas diárias, metas e dúvidas, perguntas e respostas cujos resultados nem sempre estão de acordo com aquilo que deseja ou planeja. Porque todos queremos as coisas do nosso próprio jeito, porque é assim, e ponto. Surpreendentemente, muitas coisas ainda estão dando errado, talvez porque não procuramos a resposta corretamente ou porque quem a tem, se é que realmente tem, não nos quer dar, ou não sabe dar, sabe-se lá por quais razões, ou porque não queremos encontrá-la e nem queremos saber, sabe-se lá também por quê. Isso ocorre não somente no nosso ambiente como sociedade em geral ou mesmo como comunidade segmentada em nossos nichos sociais, mas também individualmente como ser inserido em nossos espaços culturais apreendidos com o passar dos nossos anos, espaços estes do mesmo modo nem sempre em equilíbrio com o nosso tempo de vida natural e o saber que deveríamos ter adquirido, não excluindo aqui até mesmo o nosso amadurecimento espiritual.

Ainda diante das tantas incógnitas destes nossos tempos em que impera um liberalismo avassalador, tudo nos parece tão confuso em meio a este relativismo destes nossos dias, já que às vezes nos sentimos literalmente abandonados no meio de tantos caminhos, de uma encruzilhada que nos deixa à deriva no sentido de qual deles deveríamos seguir na mais segura e perfeita paz, mas que, na verdade, só nos impossibilita de refletir com clareza sobre os tantos desafios deste nosso mundo, tanto espiritual e material.

Muita vez não entendemos e nem conseguimos responder a tantos porquês, mesmo que muitos deles, atuando dentro de nós, não nos deixam calar. Muita vez ainda agimos como meninos, imaturos e ignorantes para entender ou mesmo responder a todos os desafios ou a todas as provações que se nos arrostam. São indagações que nos cutucam sem parar, já que nem às tais inquietações estamos preparados para enfrentá-las satisfatoriamente. Desde os nossos próprios filhos, dentro da nossa própria casa ou dentro de nós mesmos, no seio da nossa própria família, e até mesmo no íntimo dos poderes públicos e privados, laicos ou não, enfim, na nossa comunidade, no nosso convívio espiritual, tudo isso só nos leva a questionar por onde é que anda aquele conhecimento que nos liberta, aquela Verdade. Por onde anda aquela resposta que nos satisfaça plenamente? Será que estamos prontos para encará-la de frente, e sem tergiversações, e partirmos para uma nova vida, segura, definitiva e sem falácias, conforme os desígnios de Deus? Ou será que vivemos como no vaivém de uma valsa, conforme a música toca, ou à mercê do vento, conforme ele sopra, neste oba-oba sem pé e sem cabeça, sem nenhum receio de alguma tempestade ou tsunami, e até mesmo de um descompasso, neste imenso e emblemático terreno arenoso e movediço desta nossa vida que se esvai como um líquido que flui entre os dedos? Até que ponto e até onde resistiremos firmes ante nossa arrogância longe das incógnitas ou desequilíbrios? Será que nos garantimos a nós mesmos nesta corda bamba? Até quando?

A Bíblia diz que se conhecermos a Verdade, ela nos libertará. Mas que Verdade é esta? Nós a conhecemos realmente? Nós cremos nela sinceramente? E que conhecimento é este? Noutra parte também está escrito que Jesus é o caminho, a Verdade e a vida, e que ninguém irá a Deus Pai, senão por Jesus, posto que a graça e a verdade vieram por meio deste mesmo Senhor Jesus que é o Verbo, ou seja, a Palavra de Deus, que Se fez carne, e habitou entre nós como a glória do Unigênito do Pai, cheio de graça e de Verdade. “E a glória do SENHOR se manifestará, e toda a carne juntamente a verá, pois a boca do SENHOR o disse.” Pela graça de Deus, muitos testemunharam esta Sua glória, seja no deserto, no tabernáculo, no templo, e na transfiguração, e este termo deve ser aplicado somente a Ele, o Deus Supremo, Criador e Governador do universo diante de Quem todo joelho deve curvar-se, além de que este Verbo feito carne manifesta plenamente a realização graciosa da aliança e o caráter de Deus como guardador desta aliança.

Assim como nos tempos do exílio o SENHOR transmitia por meio de Seus profetas palavras de conforto, e de uma especial esperança, assim como também de uma inesgotável alegria ao Seu povo escolhido, do mesmo modo devemos encontrar uma razão maior e especial por meio de uma ação eficaz e também peculiar deste mesmo Espírito de Deus para proclamarmos esta Verdade ainda hoje, tendo em visto que esta Mensagem de conforto, de forma alguma depende de nossos esforços apenas e tão somente, mas provém, antes, da misericórdia soberana e divina, posto que “toda a carne é erva e toda a sua beleza, como a flor do campo”, cai e seca. Na verdade, somos como a erva, e vã é a nossa esperança, senão confiarmos no SENHOR Deus Todo-Poderoso cuja redenção perdura abundantemente. E em meio a tudo o que é perecível, mutável, a Sua Verdade permanece para sempre.

Embora a salvação não seja obtida por meio de conhecimentos intelectuais, como erroneamente pensavam os gnósticos, mas, sim, por meio de um relacionamento vital com o Senhor Jesus e do compromisso com a Verdade que Ele revelou,além de ser dom de Deus - porque somente pela graça é que somos salvos,por meio da fé-, em nosso dia a dia jamais devemos deixar de sustentar que o ensino de Cristo, que é a Verdade, é que nos torna livres da escravidão do pecado.Mas como sustentar seguramente, e de acordo com a Palavra, estas verdades divinas se não estivermos capacitados para um ensino adequado? Todos somos chamados? E, se assim o somos, todos estamos preparados?

Se “ministério” significa “serviço” prestado a Deus ou às pessoas, tendo como alvo a edificação de indivíduos com vistas à maturidade coletiva em Cristo, pelo mesmo e único Espírito, nós também devemos cumprir a nossa parte “para que não sejamos mais meninos inconstantes, levados em roda por todo vento de doutrina, pelo engano dos homens que com astúcia enganam fraudulosamente”, neste contexto de tanta incredulidade e apostasia, heresias e falsas profecias em que os desafios nos afrontam a cada dia, provocando a razão da nossa fé.

Hoje, e mais do que nunca, exigem-se melhores formações ministeriais, não como se formam líderes naturalmente fortes que sabem como administrar um negócio ou empreendimento - as coisas de Deus não são um “negócio”, um toma-lá-dá-cá ou um tipo de franquia, com objetivos meramente pragmáticos não considerando o processo de um resultado a partir das perspectivas de Cristo, não terrenas, dos homens, não-bíblicas nem espirituais. Obviamente que não, mas devemos estar preparados, sim, estudando sempre, como diz um dos princípios dos reformadores, reformados, mas reformando sempre, já que a Palavra de Deus não é estática, extemporânea, mas viva, atual e atuante, “divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça”, em todos os tempos e lugares.

Hoje, e mais do que nunca, devemos procurar apresentar-nos a Deus aprovados para o ministério a que formos chamados, mas como obreiro que não tem de que nos envergonhar, “que maneja bem a Palavra da Verdade”. O próprio Paulo exorta Timóteo à fidelidade e diligência no ministério, insistindo para que ele persista em ler, exortar e ensinar. “Medita estas coisas; ocupa-te nelas, para que o teu aproveitamento seja manifesto a todos”, aconselha a seu amado filho na fé e fiel colaborador no seu ministério, preocupado com a preservação e propagação da verdade do Evangelho, e a promoção e manutenção de uma salutar conduta cristã por parte dos que o pregavam, assim como dos que criam.

Entretanto, para que se ensine, também é necessário que se aprenda, que estude e muito, para que os ouvintes apreendam os tais ensinos. É necessário que seja um eterno aprendiz. Há quem critique a proliferação dos cursos de teologia, duvidando da sua qualidade e impingindo neles um péssimo desempenho desta massa de novos formandos, mas também há quem diga que devemos consumir-nos no estudo e na comunhão com Deus. É o que afirma MacArthur, Jr, confessando que ele tem um lado público que a congregação vê, mas que também tem um lado particular que só Deus conhece. “Embora eu só possa pregar três horas por semana, estudo trinta. Essas horas gastas todas as semanas na presença de Deus são um privilégio elevado e santo”, destaca.

A necessidade de estudar para a nossa formação ministerial é tão premente em nossos dias como para qualquer outra formação secular, só que de maior responsabilidade, posto ser das coisas do alto, e que Deus usa a pregação como principal meio humano para dispensar Sua graça pela qual Ele salva pessoas e transforma vidas, lidando com o homem como um todo, não com apenas um de seus detalhes particulares. E isso começa dentro da nossa própria casa com nossos próprios filhos, já que esta mesma Palavra de Deus alerta-nos para que eduquemos nossas crianças no caminho em que devem andar para que até quando envelhecerem não se desviarão dele. Também o profeta Oséias já alertava que o povo de Deus estava sendo destruído por falta de conhecimento - do conhecimento de Deus, que, segundo os eruditos, é inseparável da Lei de Deus.

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[1] João 8:32; 1:14,17; 14:6; Isaías 40:5; Romanos 6:14,18,22; Bíblia de Estudo de Genebra. Trad. por João Ferreira de Almeida. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. notas. p. 831; FITCH, W. Isaías: Introdução e Comentário. In: O Novo Comentário da Bíblia, vol. 1. (editor em português R. P. Shedd). São Paulo: Vida Nova, 1963, 1990. p. 718, 1228. Reimpressão; Êxodo 16:1-10; 33:18-23; 40:34,35; 1Reis 8:1-11; Mateus 17:1-5; Gênesis 24:27; Salmo 25:10; Provérbios 16:6; Êxodo 34:6; Salmo 26:3
[2] Isaías 40:6-8; Bíblia de Estudo de Genebra. Trad. por João Ferreira de Almeida. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. notas. p. 1244; João 18:37; Efésios 2:8
[3] Efésios 4:7-16; 1Coríntios 12:11;1Timóteo 2:4; 3:1-13; Tito 1:6-9;2Timóteo 2:15; 3:16; 4:1-5
[4] 2Timóteo 2:15; 4:13-16; 1:1ª; STIBBS, A. M. As Epístolas a Timóteo e a Tito: Introdução e Comentário. In: O Novo Comentário da Bíblia, vol. 2. (editor em português R. P. Shedd). São Paulo: Vida Nova, 1963, 1990. p. 1311, 1312. Reimpressão. Provérbios 22:6; Oséias 4:6; 6:6; 8:12; Adaptado de John MacArthur, Jr., “Wanted: A Few Good Shepherds”, Masterpiece (novembro-dezembro, 1989), 2-3, e MarcArthur, Then Reasons ! Am a Pastor”, Masterpiece (novembro-dezembro, 1990), 2-3.

quarta-feira, 31 de março de 2010

O QUE É A IGREJA?

“Creio na Igreja una, santa, católica e apostólica” – Credo Niceno-Constantinopolitano (Concílio de Nicéia, 325 d.C., revisado no Concílio de Constantinopla, 381 d.C.)

ATÉ HOJE, e até mesmo aos olhos das criaturas mais reles e indoutas, ainda experimentamos ou sofremos em nossa própria pele situações vexatórias, desconfortáveis e constrangedoras por conta de quem que, se utilizando dos seus postos dentro da Igreja, comete absurdos e escândalos, não só naquilo que diz respeito à transgressão da Palavra propriamente dita, como também na sua conduta pessoal, infiltrando-se na multidão daqueles que se postam como crentes ou líderes diante da sua comunidade, ou mesmo na sua maneira esdrúxula de gerir as coisas do Reino, posto que, na verdade, estas coisas não vão além dos próprios interesses do SENHOR nosso Deus que lhes outorgou tal administração, assim como nos concede a cada um de nós este ofício no âmbito da medida dos nossos melhores dons, na certeza de que prestaremos conta quando bem Lhe aprouver. E tudo isso sem nos esquecermos da tão acirrada perseguição dos ímpios e de outras tantas heresias apregoadas por este mundo afora, além dos danos, muitas vezes irreparáveis, que possam causar ao rebanho.

Se, como instituição e igualmente como corpo visível com suas atuações no tempo dos homens e, portanto, constituída por estes mesmos homens, a Igreja nunca foi um modelo de perfeição exatamente por causa de nossas arrogâncias e ambições, e de todas as nossas deficiências herdadas de nossos próprios pecados, como corpo invisível, no entanto, a Igreja sempre existiu desde os mais remotos tempos, e, como organismo vivo, ela só ainda sobrevive vitoriosamente porque é conduzida pelo poder de Deus. Assim, não podemos estar receosos pelo futuro da Igreja, mesmo nas ocasiões em que ela ainda é perseguida, porém, esperançosos, à medida que percebemos a sua indestrutibilidade desde os tempos passados, já que quanto mais perseguida, aí é que ela mais cresce, mesmo nos dias de hoje, qual o ensino da parábola do grão de mostarda proposto pelo Senhor Jesus cuja semente é a menor de todas, mas que, ao ser semeada, torna-se uma das maiores plantas, e faz-se uma árvore, de sorte que vêm as aves do céu, e se aninham nos seus ramos.

Apesar dos pesares, e das nossas lamentáveis atitudes e ingratidões, assim como de muitos falsos crentes que se dizem cristãos tentarem desdizer os planos de Deus com relação a Seus eleitos, ou seja, a verdadeira Igreja de Cristo, confundindo as pessoas com suas falsas doutrinas e pregações egocêntricas, desde os tempos do ministério terrestre do Senhor Jesus, Ele já antecipava o desenvolvimento da Sua Igreja como poder universal - o que se cumpriu em plena Idade Média -, e ainda alertava sobre a figura do maligno no quadro da Igreja visível em sua apostasia, mas que, por fim, exalavam otimismo e confiança no triunfo da Palavra de Deus. Se as parábolas do grão de mostarda e do fermento são relacionadas com a presente manifestação do Reino de Deus no mundo na pessoa do Senhor Jesus, a Igreja representa o novo Israel hoje. Os especialistas assinalam que assim como a semente pequenina da mostarda, depois de semeada, transforma-se numa das maiores plantas, assim também as coisas de Deus podem parecer pequeninas aos nossos olhos e ao mundo, no entanto, produzem grandes resultados, posto que Deus revela a grandeza de Seu poder ao demonstrar que as coisas consideradas insignificantes para o mundo podem ser Seus recursos mais poderosos e preciosos numa clara demonstração de que não valemos nada diante de Sua divina magnificência. Porém, antes de qualquer coisa, Deus tem misericórdia de todos os que arrependidamente admitem a sua pecaminosidade.

É na Igreja que os cristãos podem enriquecer-se espiritualmente. Consequentemente, devem unir-se com os outros crentes para poderem participar da vida de uma congregação local, prestando culto a Deus em espírito e em verdade, aceitando um alimento espiritual que lhes seja saudável até para sua vida natural, assim como a disciplina e, igualmente, participando do seu ministério e testemunho, posto que a Igreja é a única comunidade que presta culto a Deus, permanentemente reunida no verdadeiro santuário - a Jerusalém celestial e o lugar da presença de Deus -, conforme acentuam os especialistas, lembrando ainda que, embora a Igreja seja uma só, ela é constituída de pessoas que ainda estão na terra, que formam a Igreja militante, e daquelas que já morreram e estão na glória. Estas últimas formam a Igreja triunfante. À parte os trocadilhos de mau gosto, e quaisquer outras usurpações, a Igreja é a comunhão dos santos em todo tempo e lugar, agora e sempre. Não é à toa que o apóstolo Paulo lembra que a única Igreja universal é o Corpo de Cristo de quem somos seus membros em particular, mas que também, e por isso mesmo, o é cada congregação local. E como ensina o Novo Testamento, a Igreja é o cumprimento das esperanças e disposições do Antigo Testamento realizado pelo Senhor Jesus. É a família e o rebanho de Deus; o Seu Israel; o corpo e a noiva de Cristo; o santuário do Espírito Santo.

Os estudiosos também afirmam que, como uma realidade distintiva do Novo Testamento, a Igreja existe em Cristo e através de Cristo, ao mesmo tempo em que ela é uma continuidade de Israel, a semente de Abraão e o povo da aliança de Deus. Assim, a nova aliança sob a qual a Igreja vive é uma nova forma do relacionamento em que Deus diz à Sua comunidade escolhida: “Eu serei o vosso Deus, e vós sereis o Meu povo”.

Refletir sobre a Igreja e sua história é meditar sobre a trajetória do povo de Deus em todos os tempos e lugares, de um povo privilegiado, escolhido e separado para adorá-Lo em espírito e em verdade; de uma história apoteótica, vitoriosa e edificante; e de um Deus que não divide a Sua glória com ninguém, posto que somente Ele é digno de toda honra e toda glória para todo o sempre. E este povo é a Igreja de Cristo a qual é o Seu corpo, a plenitude dAquele que cumpre tudo em todos, posto que este mesmo Senhor Jesus Cristo é a cabeça deste corpo, ou seja, da Igreja, que foi comprada por Seu próprio sangue para que não nos tornássemos escravos de homens, mas filhos de Deus pelos méritos deste mesmo Senhor Jesus Cristo que é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a preeminência.

Corpo de Cristo, casa de Deus, comunhão dos santos, assembléia pública, assembléia do povo de Deus são alguns termos que se incluem à palavra “Igreja”, envolvendo até mesmo um grupo de pessoas que se reúnem em nome de Cristo. Mas nunca um grupo qualquer, um corpo qualquer, porém, uma definição que designa e tem como expressão a Igreja Cristã, tanto local quanto universal. Ou seja, o termo engloba aqueles que são verdadeiros crentes em Cristo, ou ainda um grupo particular de crentes que se reúnem em um lugar. Em português, o vocábulo “Igreja” deriva-se do latim ecclesia, que, por sua vez, no Novo Testamento, traduz a palavra grega ekklesia. No grego secular, ekklesia designava uma assembléia pública, e este significado ainda foi mantido no Novo Testamento. Já, no Antigo Testamento hebraico, a palavra qãhãl designa a assembléia do povo de Deus, e a Septuaginta, na tradução grega do Antigo Testamento, traduziu esta palavra por ekklesia e synagoge, igualmente. Até mesmo no Novo Testamento ekklesia pode significar a assembléia dos israelitas, mas, à parte destas exceções, a palavra ekklesia, no Novo Testamento, designa a Igreja Cristã, local e universalmente falando, jamais um edifício, e, sim, um corpo vivo do qual Cristo é a cabeça e todos os batizados são seus membros.

Desde o Concílio de Constantinopla, em 381, com reafirmações em Éfeso, em 431, e Calcedônia, em 451, a Igreja tem afirmado ser “una, santa, católica e apostólica”. A Igreja é “una” porque é um corpo sob uma Cabeça, ou seja, Cristo, apesar do grande número de denominações e congregações locais. Ainda que muitas Igrejas estejam divididas, mesmo assim, elas reconhecem Jesus Cristo como Senhor e Salvador; e creem que podem ser uma só. Apesar das divergências, somos uma família. Paulo declara que, em Cristo, todos somos um, sem distinção de raça, condição social ou sexo. A Igreja é “santa”, não porque sejam perfeitos os seus membros, mas porque o Espírito Santo nela opera. Ou seja, a Igreja é separada daquilo que é profano. Assim como a Igreja é consagrada a Deus comunitariamente, assim também o é cada cristão individualmente. Os cristãos são santos no sentido de terem sido separados para se dedicarem ao serviço de Deus e consagrados por Ele, o que não significa que estejam livres do pecado. A Igreja é “católica” porque é universal, ou seja, existe no mundo inteiro, guardando sempre a fé para todas as épocas e todos os povos, incluindo crentes de gerações passadas e crentes de todas as culturas e sociedades. Originada do grego, katholikos, e do latim, catholicus, a palavra “católico” significa “geral”, “por tudo”, “universal”, ortodoxo”, embora grupos de cristãos tenham dado-lhe diferentes significados. E, por fim, a Igreja ainda é “apostólica” porque está fundada no ensino apostólico, e comissionada a ir pelo mundo guardando o ensino e a irmandade dos apóstolos. Ou seja, a Igreja é enviada a pregar o Evangelho, reconhecendo esta mensagem e missão dos apóstolos, e, conforme são mediadas através das Sagradas Escrituras, devem ser as de toda a Igreja.Os eruditos destacam que a Igreja só pode ser “una”, “santa” e “católica” se for uma Igreja “apostólica”.

É nesta Igreja que seus membros atuam com sua diversidade de dons, de ministérios e de operações, assistidos pelo mesmo Espírito, pelo mesmo Senhor e pelo mesmo Deus que opera tudo em todos, cuja manifestação deste mesmo Espírito é dada a cada um para o que for útil. Ou seja, para ser um instrumento usado por Deus para dar progresso espiritual ao Seu povo, nos dizeres de John MacArthur, Jr., que também revela sua gratidão a Deus por isso, além de considerar-se honrado por ser um canal pelo qual a graça de Deus, o amor do Senhor Jesus Cristo e a consolação do Espírito Santo possam tornar-se mais reais às pessoas. Porém, MacArthur destaca que esse privilégio também traz a responsabilidade mais pesada que alguém pode assumir, já que o cumprimento desse privilégio e o desencargo dessa responsabilidade exigem que a compreensão da Igreja e de seus ministérios seja correta e de acordo com a Palavra de Deus.

Assim, alista 10 pontos definidos por ele como algumas verdades básicas para melhor entendermos as questões ligadas à igreja e estabelecer tal compreensão como um fundamento para o ministério: A Igreja é a única instituição que nosso Senhor prometeu edificar e abençoar - Mateus 16:18. A Igreja é o lugar de reunião dos verdadeiros adoradores - Filipenses 3:3. A Igreja é a assembléia mais preciosa sobre a terra, uma vez que Cristo a adquiriu com Seu próprio sangue - Atos 20:28; 1Coríntios 6:19; Efésios 5:25; Colossenses 1:20; 1Pedro 1:18; Apocalipse 1:5. A Igreja é a expressão terrena da realidade celestial - Mateus 6:10; 18:18. A Igreja, por fim, triunfará, tanto no âmbito universal como no local - Mateus 16:18; Filipenses 1:6. A Igreja é a esfera de comunhão espiritual - Hebreus 10:22-25; 1joão 1:3,6,7. A Igreja é quem proclama e protege a Verdade divina - 1Timóteo 3:15; Tito 2:1,15. A Igreja é o lugar principal de edificação e crescimento espiritual - Atos 20:32; Efésios 4:11-16; 2Timóteo 3:16,17; 1Pedro 2:1,2; 2Pedro 3:18. A Igreja é a plataforma de lançamento para a evangelização do mundo - Marcos 16:15; Tito 2:11. A Igreja é o ambiente em que se desenvolve e amadurece uma liderança espiritual forte -2Timóteo 2:2.

É esta Igreja o reflexo de todos os cristãos, a continuidade entre o Israel do Antigo Testamento e a Igreja do Novo Testamento, posto que Israel e a Igreja são representados como o único povo de Deus. E estes mesmos cristãos são a casa espiritual edificada em Cristo, contrastando nitidamente o destino dos incrédulos e a posição dos eleitos que são chamados para anunciar as virtudes dAquele que os resgatou das trevas para a Sua maravilhosa luz. Antes, nós também não éramos povo, e não tínhamos alcançado misericórdia, mas agora somos povo de Deus que alcançamos misericórdia por uma escolha soberana deste mesmo nosso Deus. Não por nenhum mérito nosso. Assim, do mesmo modo os especialistas concordam que somos eleitos e chamados não somente para a salvação, mas também para o serviço, posto que todos nós como crentes em Cristo somos chamados a dar testemunho dos atos salvíficos de Deus, principalmente diante de uma sociedade tão degenerada em que vivemos.

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[1] LIMA, ROGÉRIO. História da Igreja 1. Apostila do curso de bacharel em teologia. Seminário Presbiteriano Fundamentalista do Brasil - SPFB, Limeira, SP: 2010p.4; Mateus 13:31,32
[2] Mateus 13:19; Ezequiel 17:23; 31:5,6; Salmo 104:12; Daniel 4:12,21; Marcos 4:30,32; Lucas 13:18,19; SWIFT GRAHAM, C. E. O Evangelho Segundo São Marcos: Introdução e Comentário. In: O Novo Comentário da Bíblia, vol. 2. (editor em português R. P. Shedd). São Paulo: Vida Nova, 1963, 1990. p. 996, 997. Reimpressão; ATIKINSON BASIL F. C. O Evangelho Segundo São Mateus: Introdução e Comentário. In: O Novo Comentário da Bíblia, vol. 2. (editor em português R. P. Shedd). São Paulo: Vida Nova, 1963, 1990. p. 966. Reimpressão; Bíblia de Estudo de Genebra. Trad. por João Ferreira de Almeida. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. notas. p.1120,1153,1347;1Coríntios 1:26; Marcos 2:17;João 9:39-41
[3] Bíblia de Estudo de Genebra. Trad. por João Ferreira de Almeida. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. notas. p. 1403; Hebreus 10:25; Mateus 18:15-20; Gálatas 6:1; 4:26; Hebreus 12:22-24; 1Coríntios 12:12-27; Efésios 1:22,23; 3:6; 4:4; João 10:16; Efésios 2:18; 3:15; 4:6; 1Pedro 5:2-4; Gálatas 6:16; Efésios 5:23-32; Apocalipse 19:7; 21:2,9-27; 1Coríntios 3:16; Efésios 2:19-22
[4] 1Coríntios 11:25; Hebreus 8:7-13; Jeremias 7:23; 31:33; Ex 6:7; Isaías 43:1; 45:3
[5] João 4:24; Isaías 42:8; Efésios 1:23; Colossenses 1:18; Atos 20:28; 1Coríntios 6:20; 7:23
[6] Efésios 1:23; 4:15,16; 5:30; Colossenses 1:18; 1Coríntios 12:27; 2Samuel 7:5; Salmo 65:4; 84:4; 118:26; Malaquias 3:10; Mateus 18:17,20; Atos 15:41;Romanos 16:16; 1Coríntios 4:17;7:17; 14:33; Colossenses 4:15; Mateus 16:15-19; Atos 20:2;1Coríntios 12:28; 15:9; Efésios 1:22; Atos 19:32,39,41; Deuteronômio 10:4; 23:2,3; 32:30; Salmo 22:23; Atos 7:38; Hebreus 2:12
[7] Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã. Walter A. Elwell (editor).Trad. por Gordon Chown. São Paulo: Vida Nova, 1990. vol. 2. p.286-290; Bíblia de Estudo de Genebra. Trad. por João Ferreira de Almeida. São Paulo e Barueri:Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.notas.p.1403;1Coríntios 1:10-30; Romanos 12:3-8; João 17:20-26; Atos 2:42; 4:32; Efésios 4:1-6; Gálatas 3:27,28; Filipenses 3:12a; 2Tessalonicenses 2:13; Colossenses 3:12ss; Efésios 2:19-22
[8] 1Coríntios 12:4-7
[9] Adaptado de John MacArthur, Jr., “Wanted: A Few Good Shepherds”, Masterpiece (novembro-dezembro, 1989), 2-3, e MarcArthur, Then Reasons ! Am a Pastor”, Masterpiece (novembro-dezembro, 1990), 2-3.
[10] 1Pedro 2:8-10; Bíblia de Estudo de Genebra. Trad. por João Ferreira de Almeida. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. notas. p. 1497; PINK, A. W. Deus é Soberano. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 1997, 2002, 2008. p. 6. 2ª ed. Reimpressão