domingo, 31 de outubro de 2010

AS BASES DA REFORMA PROTESTANTE

HÁ QUASE 500 anos a Igreja medieval passava por uma situação vexatória de escândalos, e de campanhas enganosas, como bem sintetizava naquela época um jingle que se tornou popular por meio de seu principal maquinador, o monge dominicano Johannes Tetzel, que se fazia ouvir em praças públicas diante de ingênuas multidões: “Assim que a moeda no cofre tilintar, a alma do purgatório irá saltar”. Estes eventos tiveram seu auge por volta do outono de 1517 quando Tetzel prometia a seus ouvintes que estes poderiam obter a remissão dos pecados de seus entes queridos que já haviam morrido e ido para o purgatório. O purgatório, segundo os ensinos escatológicos das Igrejas Católica Romana e Ortodoxa Grega, é o lugar para onde vão as pessoas que, em vida, não foram santas o suficiente para irem diretamente para o céu, nem más o bastante para serem condenadas ao inferno, e que, por isso mesmo, por um processo de experiências purificadoras, estas pessoas são preparadas para o céu. O purgatório era um lugar de punição temporal pelos pecados, e o tempo que a pessoa deveria passar lá seria determinado pelo número e gravidade das ofensas. Quando uma pessoa tivesse sido completamente purgada ela seria liberada para ir para o céu.

Mesmo diante de algo tão grosseiro, que se não fosse verdade, seria cômico, se se tomar como alicerce as Sagradas Escrituras, as pessoas apareciam de todos os lugares, procurando libertar seus queridos das chamas da punição, juntando seus bens e correndo até Tetzel para comprar estes documentos, já que Tetzel levava estas pessoas a crerem que podiam obter o perdão meramente ao colocarem suas moedas no caixa dele, e que elas levariam em troca os certificados oferecidos por ele. Era a famigerada venda de indulgências por parte do catolicismo romano que pretendia, com isso, financiar a construção da grande catedral de São Pedro, em Roma. O papa oferecia o perdão dos pecados para quem contribuísse financeiramente para o empreendimento. E as pessoas caíam no tão conhecido conto do vigário.

Pelo que se pode depreender disso tudo é que essa história já vinha de muito longe. Segundo o pastor e professor de história no Cedarville College, em Ohio, EUA, Dr. James E. McGoldrick, já nos anos 1460-1470, o papa Sixtus 4º declarava que os benefícios obtidos através das indulgências poderiam ser transferidos para os crentes que já haviam ido para o purgatório porque, de acordo com os ensinamentos da Igreja Católica – ainda segundo dados do Dr. McGoldrick –, esta tem a custódia dos Tesouros dos Méritos que são adquiridos pelos grandes santos que haviam excedido as boas obras necessárias para a sua salvação. Esse excesso de méritos tornava-se uma fonte da qual a Igreja poderia distribuir méritos aos que estavam deficientes, e a indulgência tornou-se o meio pelo qual os pecadores necessitados poderiam obter méritos desta Tesouraria.

Diante de tais atitudes, vê-se que a Igreja havia se desviado dos ensinos do Evangelho. A Igreja havia se tornado totalmente corrupta. Mergulhada no luxo e riquezas, além de vender indulgências, cobrava altos impostos, e disputava o poder com o Estado romano. A autoridade papal havia se auto-outorgada acima da autoridade bíblica. O poder temporal havia tomado o lugar do espiritual. Criaram-se tribunais eclesiásticos para julgar as causas que se consideravam “matérias de fé”. Os apologistas, que deveriam ser os guardiães e defensores da fé, tornaram-se déspotas, e mandavam para o martírio grandes nomes que poderiam trazer muita contribuição, não somente para a teologia, mas também para a própria Igreja naqueles dias, e talvez futuramente.

Nestes tempos surgiram importantes grupos que se mantiveram na clandestinidade por causa do braço opressor e temporal dominante na Igreja. Ao longo da história destacam-se os valdenses, os albigenses ou cátaros, os anabatistas, e tantos outros. Mas no lugar em que a Igreja passava, ela deixava o rastro do martírio, da destruição, silenciando aqueles que se opusessem a qualquer uma de suas doutrinas e práticas, não importando por quais meios, somente pelo objetivo de se tornar uma igreja universal através do Império Romano. A Igreja havia perdido a sua visão de Reino de Deus e buscava o reino que Satanás ofereceu a Cristo no monte da tentação (Mt 4:8).

Muitos descontentes quiseram reformar aquelas estruturas em decomposição dentro da Igreja. Neste período conhecido como a “Idade das Trevas”, muitos homens tidos como pré-reformadores sofreram o martírio por testemunharem a sua fé. Séculos antes da Reforma propriamente dita, homens como João Wycliffe, na Inglaterra, João Huss, na então Tchecoslováquia, assim como Jerônimo Savanarola, Jerônimo de Praga, e tantos outros, já haviam dado suas vidas por se oporem a estes ensinamentos da Igreja de Roma. Todos estes pré-reformadores tinham motivos de sobra para combaterem toda esta gama de incoerências que contaminava a sã doutrina. Erasmo de Roterdã defendia que a Igreja precisava ser reformada porque havia abandonado os verdadeiros ideais cristãos. Afirmava que a vida era muito mais importante que a doutrina ortodoxa, e que os frades enquanto se ocupavam com distinções sutis levavam vidas escandalosas. Erasmo desejava a reforma dos costumes e a prática da decência e da moderação.

A oposição a esta Igreja corrompida e a seus falsos ensinamentos colheu seus frutos no século 16. Mas lá pelo final do século 15 já havia sinais de fincar seus rumos. Fatos importantes aconteceram neste período, coincidindo com a invenção da imprensa de onde surgiu um intenso interesse pelas letras. Muitos dos estudiosos passaram a se interessar pela leitura das Escrituras e sua tradução. Havia muita coisa escrita sobre as mazelas da Igreja de Roma. A invenção da imprensa com a arte tipográfica teve um impacto notável sobre as letras neste período. Os livros se tornaram mais acessíveis, e era possível reproduzirem-se em quantidades maiores aqueles livros mais apreciados da antiguidade. A exposição literária dos autores estava preservada porque se podia obter centenas ou milhares de cópias idênticas, sem rasuras, emendas ou outras distorções editoriais carentes de revisão.

Somando a esse despertar na literatura e na arte, Cristóvão Colombo, com o auxílio da bússola, havia erguido o véu que escondia os horizontes do Ocidente, descobrindo para o povo europeu um outro hemisfério. Vasco da Gama contornou o Cabo da Boa Esperança, abrindo, assim, uma nova rota para o comércio das Companhias das Índias. Além de um sentimento nacionalista que deu origem a Estados modernos como a França, a Inglaterra e os países escandinavos, que se uniram sob monarquias relativamente fortes, todos estes fatores contribuíram para preparar o caminho de uma reforma religiosa que estava prestes a irromper. Os eruditos afirmam que muitos dos principais intelectuais da época viam no passado imediato, e às vezes no presente, uma época de decadência com respeito à antiguidade clássica, e por esta causa se empenhavam em provocar um renascer desta antiguidade em voltar às suas fontes, e em imitar sua linguagem e estilo.

A isto se chamou de Renascimento, que foi um movimento intelectual e artístico surgido na Itália nos séculos 14 e 15, onde teve sua melhor expressão. Segundo os especialistas, o Renascimento não somente se inspirou nas fontes clássicas da literatura e arte, mas também nos séculos 12 e 13. Sua arte tinha profundas raízes no gótico. Sua forma de ver o mundo tinha muito a ver com a cosmovisão de são Francisco e de Cícero. Sua literatura se inspirou em parte aos cânticos medievais que os trovadores levavam de região para região.

Assim, chegamos à Reforma, e o herói dela foi Martinho Lutero – um filho de mineiro, que nasceu em Eisleben, na Alemanha, em 10 de novembro de 1483. Sua família era pobre, mas gozava de respeito na comunidade. Lutero foi um monge católico-romano que, abraçando as idéias dos pré-reformadores, indignou-se, desafiou e protestou contra os abusos e as corrupções ligadas à venda de indulgências, e denunciou o ensino de que o perdão dos pecados poderia ser obtido através de “contrição, confissão e contribuição”, exigindo que toda esta questão fosse discutida pelos estudiosos da Universidade. Lutero convidou alguns colegas acadêmicos para um debate público a respeito das 95 Teses, ou objeções, que ele mesmo havia escrito sobre a venda de indulgências e proferiu três sermões contra as indulgências em 1516 e 1517.

Foi assim que em 31 de outubro de 1517 Lutero afixou as suas 95 Teses na porta da Igreja do castelo de Wittenberg, Alemanha. Esse fato é considerado como o início da Reforma Protestante. Lutero, então, iniciou um protesto que atraiu muitos seguidores, e logo os que se uniram a este protesto ficaram conhecidos como os “protestantes”, e as 95 Teses foram logo traduzidas para o alemão e amplamente copiadas e impressas. Após um mês já havia espalhado por toda a Europa.

A intenção de Lutero era reformar a Igreja Católica Romana, e, fazendo assim, estava desafiando a autoridade papal. Com a recusa da Igreja Católica Romana em dar ouvidos à chamada de Lutero para a reforma e retorno às doutrinas e práticas bíblicas, iniciou-se a Reforma Protestante, da qual surgiram quatro divisões ou tradições principais do protestantismo: Luteranos, Reformados, Batistas e Anglicanos; e Deus levantou homens piedosos em diferentes países para, mais uma vez, restaurar a Sua Igreja por todo o mundo.

Assim, a Reforma Protestante foi um movimento reformista cristão iniciado no século 16 por Martinho Lutero, que, através da publicação de suas 95 Teses, protestou contra diversos pontos da doutrina da Igreja Católica Romana, propondo uma reforma no catolicismo. Lutero foi apoiado por vários religiosos e governantes europeus, provocando uma revolução religiosa, iniciada na Alemanha, e estendendo-se pela Suíça, França, Países Baixos, Reino Unido, Escandinávia e algumas partes do Leste Europeu, principalmente os Países Bálticos e a Hungria. A resposta da Igreja de Roma foi o movimento conhecido como a “Contrarreforma”, ou “Reforma Católica”, iniciada no Concílio de Trento.

Os estudiosos afirmam que junto com a Reforma Protestante assentam-se quatro perguntas ou doutrinas básicas, que segundo criam reformadores protestantes como Martinho Lutero, Ulrich Zwinglio, João Calvino e João Knox, constituíam erro por parte da Igreja Católica Romana: Como uma pessoa é salva? Onde reside a autoridade religiosa? O que é a Igreja? Qual a essência do viver cristão? Tais questões estabeleceram o que seria conhecido como os princípios fundamentais da Reforma Protestante. São conhecidos como os Cinco Solas da Reforma, e era por estas cinco doutrinas bíblicas que os reformadores protestantes afirmaram sua opinião contra a Igreja Católica Romana, resistindo às ameaças que lhes eram feitas para que voltassem atrás nestes seus ensinamentos. Mas eles resistiam em nome da sua fé até mesmo ao ponto de morrerem por ela.

O professor Dr. McGoldrick, diz que de acordo com a definição do dicionário, a palavra “protestante” significa “um membro de algumas Igrejas cristãs que terminaram se separando da Igreja Católica Romana desde o século 16”, e que não é um termo pejorativo. A palavra é derivada do latim, da preposição “pro",que significa “para”, e o infinitivo “testare”, “testemunho”. “Protestante”, portanto, é “alguém que testemunha”. Um protestante é uma testemunha de Jesus Cristo e, consequentemente, da Palavra de Deus. O professor ensina que o protestantismo não é meramente o protesto contra a corrupção eclesiástica e o falso ensinamento; é o reavivamento, o renascer da fé bíblica, um renascer do cristão do Novo Testamento, com uma ênfase positiva sobre as doutrinas das Escrituras, graça e fé. Assim, utilizando a linguagem dos termos do latim do século 16, o protestantismo proclama Sola Scriptura, Sola Gratia, Sola Fide, Solus Christus e Soli Deo Gloria.

Sola Scriptura

"Somente a Escritura". O protestantismo genuíno, em qualquer lugar, declara que a Bíblia, unicamente a Bíblia, é a autoridade da fé cristâ e de prática de vida, pois esta é a fé dos nossos pais, “a fé que uma vez por todas foi entregue aos santos” (Jd 3). Somente pelo padrão das Escrituras é que todos os ensinamentos e doutrinas da Igreja devem ser medidos.

Lutero, como um simples monge agostiniano e teólogo obscuro, sem fortuna nem poder, quando teve que provar sua fé, em abril de 1521, na pequena cidade alemã de Worms, diante de uma assembleia formada de bispos, arcebispos, príncipes do Império, representantes das cidades livres, e bem no alto, acima de todos, o augusto Carlos 5º, rei da Espanha e “Santo Imperador de Roma”, diante daquela assembleia toda imponente, vestido com seu capuz, de pé diante de uma mesa em que estavam os seus folhetos e tratados que defendia, disse: “Desde que vossa serena majestade e vossas senhorias buscam uma resposta simples, eu a darei assim, sem chifres nem dentes. A menos que seja convencido pelo testemunho das Escrituras ou por mera razão (pois não confio nem no papa nem nos Concílios somente, pois é bem sabido que eles frequentemente erram e se contradizem), eu estou atado pelas Escrituras que já citei, e a minha consciência é escrava da Palavra de Deus. Eu não posso e não irei me retratar de nada, já que não é seguro nem correto agir contra a consciência”.

Uma das bandeiras da Reforma Protestante é que as Sagradas Escrituras são suficientes para assuntos de salvação e devem ser sempre a autoridade final, e não filosofias e tradição de homens ou decisões conciliares. O protestantismo renuncia a autoridade das tradições humanas. Quando Jesus debateu com os fariseus, e respondeu às suas críticas, Ele os acusou, dizendo: “[...] E assim invalidastes a Palavra de Deus, por causa da vossa tradição” (Mt 15:6). McGoldrick lembra que Jesus muitas vezes contradizia as tradições dos homens, mas Ele cumpria, mantinha e defendia a Palavra de Deus, e cita que no Sermão do Monte Jesus expôs a confiança dos judeus na tradição rabínica quando disse: “Ouvistes o que foi dito aos antigos [...]. Eu, porém, vos digo [...].” (Mt 5:21,22). “Desta maneira Jesus contradizia os ensinamentos tradicionais dos rabinos que haviam pervertido a Palavra de Deus através de falsas interpretações”, explica.

Como Paulo, os protestantes também acreditam que toda a Escritura é “inspirada por Deus”, que a Bíblia é o guia para a salvação e que através da Palavra escrita de Deus o crente torna-se “perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3:17). Quando estava partindo para Jerusalém, onde sabia que enfrentava muitas perseguições, mas que sabia também que, depois de sua partida, “lobos vorazes” se infiltrariam na Igreja de Éfeso e não poupariam o rebanho (At 20:29), o apóstolo reconheceu o valor da Escritura. Ele recorda aos presbíteros de Éfeso: “Jamais deixei de vos anunciar todo o desígnio de Deus” (At 20:27).

Muitos afirmam que o resgate da Palavra de Deus talvez tenha sido o maior trunfo da Reforma Protestante na certeza de que nada pode substituir a pregação da Palavra de Deus numa época em que era impossível ao povo ler as Escrituras. Os reformadores conseguiram colocar a Bíblia na língua das pessoas, tornando-a acessível a todos. Os especialistas também concordam que a Reforma não somente possibilitou que todos tivessem acesso à Palavra, mas também que ela, a Palavra de Deus, tivesse o lugar de honra que possui de direito, e que todos pudessem interpretá-la corretamente, o que não significa que cada um pode interpretá-la a seu modo, satisfazendo os seus próprios interesses.

Portanto, em resumo, a Palavra de Deus é infalível e absolutamente suficiente para nos ensinar tudo o que precisamos saber sobre a salvação e sobre o próprio Deus, além de ser a única fonte suprema desse conhecimento. Nenhuma outra fonte deve ser aceita, apregoa a Reforma.

Sola Gratia

“Somente a Graça”. A ênfase aqui se dava em razão da doutrina católica vigente de que as boas obras ajudariam na salvação do homem. Durante a Reforma, os líderes protestantes e os teólogos geralmente concordavam que a doutrina da salvação da Igreja Católica Romana seria uma mistura de confiança na graça de Deus e confiança no mérito de suas próprias obras, comportamento este chamado pelos protestantes de sinergismo. A posição reformada é a de que a salvação é inteiramente condicionada a ação da graça de Deus; somente a graça através da regeneração unicamente promovida pelo Espírito Santo, em conjuto com a obra redentora de Jesus Cristo. Consequentemente, defendem que o homem, que é naturalmente pecador – daí as ideias de depravação total do gênero humano –, é salvo, única e exclusivamente, pela vontade e ação de Deus sobre aquele que Ele quer salvar, pois o homem, sem essa ação de Deus, jamais O buscaria por si mesmo. "Não há ninguém que entenda; não há ninguém que busque a Deus." (Rm 3:11).

A Bíblia diz claramente que o homem pecador não tem qualquer esperança de salvação através de seu próprio esforço: “Pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie.” (Ef 2:8,9). McGoldrick afirma que o protestantismo nega todos os esquemas de salvação que promovem o homem e suas atividades e cerimônias religiosas como meio de vida eterna e perdão. Insiste ainda que a salvação vem através do puro e imerecido favor de Deus, pela graça somente, já que os desejos pecaminosos levam o homem cada vez mais para longe de Deus, vivendo em pecado, amando o pecado, e se não for pela misericórdia de Deus, morrendo em pecado. Jesus disse: “[...] Todo aquele que comete pecado é escravo do pecado.” (Jo 8:34). Em sendo assim, o homem pensa que é livre, mas ele é escravo do pecado e de Satanás. Mas o homem possui um certo tipo de liberdade, entretanto, McGoldrick diz que ele é livre para fazer o que quer, mas o que ele quer mesmo é pecar!

A respeito da trágica condição do homem caído Lutero refletia e a descrevia assim: “Eu creio que não posso por minha própria razão ou força, acreditar em Jesus Cristo meu Senhor ou buscá-lO. Mas o Espírito Santo me chamou através do Evangelho, me iluminou pelos Seus dons, e me santificou e preservou na verdadeira fé. Da mesma maneira, Ele chama, reúne, ilumina e santifica toda a Igreja cristã da terra, e preserva a sua união com Jesus Cristo na verdadeira fé [...]” Ao pensar na justiça e na santidade do Senhor, Lutero via-se tão pecador que se sentia perdido e completamente impossibilitado se alcançar a Deus, até que compreendeu
Romanos 1:17, “O justo viverá por fé”, e toda a sua vida se transformou.

A opinião dos especialistas é que Lutero e os outros reformadores entenderam que o homem não precisa tornar-se justo por meio do cumprimento das obras da Lei para poder alcançar a vida eterna, pois isto ele jamais conseguiria, uma vez que ninguém nunca cumpriu a Lei de Deus (Rm 3:10,20; Gl 3:11). Eles entenderam que, tendo como base a justiça de Cristo, Deus pode e efetivamente declara justo aquele que crê. Os especialistas afirmam que esse ato de declarar justo é algo completamente gratuito, pois o homem nada fez para merecer isso, uma vez que tudo provém da obra e dos méritos do Senhor Jesus. Desta forma, a justiça de Cristo é colocada sobre nós como se fosse nossa. Lembram ainda que era isso que Paulo chama de “o Evangelho da graça de Deus” do qual ele queria testemunhar mesmo que lhe custasse a própria vida (At 20:24), e esse Evangelho da graça de Deus era a boa notícia de que os pecadores podiam ser salvos por meio da obra salvadora de Cristo feita por eles.

Enfim, afirma a doutrina bíblica que a salvação é somente pela graça de Deus apenas, e que nós somos resgatados de Sua ira apenas por Sua graça. A graça de Deus em Cristo não é meramente necessária, mas é a única causa eficiente da salvação. Esta graça é a obra sobrenatural do Espírito Santo que nos traz a Cristo por nos soltar da servidão do pecado e nos levantar da morte espiritual para a vida espiritual.

Sola Fide

“Somente a Fé”. Historicamente, conhecida como doutrina da justificação pela fé, afirma que a fé, e somente a fé, justifica o pecador, isto é, o declara justificado diante de Deus – e isto é exclusivamente baseado na graça de Deus, através somente da fé daquele que crê. Por causa da obra redentora do Senhor Jesus Cristo é que são perdoadas as transgressões da Lei de Deus. Ou seja, afirma que aquele que crê que Jesus é o Cristo, creu porque Deus lhe deu essa graça, e por essa graça, através dessa crença, dessa fé, é salvo dos pecados, e da condenação que receberia por causa dos pecados. Pela fé, aquele que crê compreende o sacrifício do Filho de Deus e os méritos. A retidão de Jesus Cristo é aplicada a esse pecador que crê. É pela fé em Cristo que Sua justiça é imputada a nós como a única satisfação possível da perfeita justiça de Deus.

A posição oposta afirma que aqueles que creem recebem perdão baseado apenas em suas boas obras. Tal posição é chamada de legalismo.

Se a salvação ocorre pela graça somente, a forma ou método de recebê-la é a fé somente. Segundo os eruditos, a Reforma, entretanto, apregoou que a fé é uma questão de confiança, não na eficácia ou no ensino da Igreja, mas no poder de Deus que pode salvar plenamente os que se aproximam dEle confiando nos méritos de Cristo. Esses mesmos estudiosos ainda afirmam que os reformadores deixaram muito claro que quem salva é Cristo e não a fé. Ressaltam que a fé não pode ser considerada uma pequena obra que, em última instância, tem poder de nos salvar, mas que é apenas o instrumento pelo qual nos apropriamos da salvação conquistada plenamente por Cristo. Porém, esses eruditos lembram que, ainda assim, alguns poderiam entender que a fé é uma pequena obra necessária para a salvação, não fosse o ensino inequívoco da Escritura de que mesmo a fé é um dom de Deus (cf. Ef 2:8,9; Rm 12:3; Jd 3).

Historicamente, o conceito de Sola fide foi a base para Martinho Lutero desafiar a cobrança de indulgências pela Igreja Católica Romana, e, por essa razão, é chamada de Princípio material da Reforma Protestante, enquanto que a doutrina Sola scriptura é considerada Princício formal.

Solus Christus

“Somente Cristo”. Significa que obtemos a salvação somente por meio de Cristo. Esta doutrina bíblica afirma que a salvação é encontrada somente em Cristo e que unicamente Sua vida sem pecado e expiação substitutiva são suficientes para nossa justificação e reconciliação com Deus, o Pai. O Evangelho não é pregado se a obra substitutiva de Cristo não for declarada, e a fé em Cristo e Sua obra não forem propostas.

Por isso mesmo é que se defendemos a primazia das Escrituras, ou a doutrina da sola scriptura, obrigatoriamente temos que nos apegar a Cristo somente, ou a doutrina do solus Christus, posto que somente pelo padrão das Escrituras é que todos os ensinamentos e doutrinas da Igreja devem ser medidos, como já foi dito, e Cristo é o Cabeça da Igreja. Cristo é o centro das Escrituras. Ele mesmo disse a alguns religiosos de Sua época: “Examinai as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida eterna, e são elas que de Mim testificam.” (Jo 5:39; cf. Lc 24:27). Nesta passagem fica claro que as Escrituras testificam de Cristo, fazendo-nos crer que a busca daqueles que se recusam a encontrar Cristo nas Escrituras é fútil, porque lhes falta a iluminação do Espírito Santo (2Co 3:6).

Os protestantes caracterizavam os dogmas relativos ao papa como representante de Cristo e chefe da Igreja sobre a terra, o conceito de mérito por obras e a ideia católica de um tesouro vindouro por causa das boas obras como uma negação de que Cristo é o único mediador entre Deus e os homens. As Escrituras dizem que “[...] há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem” (1Tm 2:5). A Bìblia de Estudo de Genebra diz que o ministério salvífico de Jesus Cristo se resume nesta afirmação de que Ele é “o Mediador entre Deus e os homnes”. Daí, “mediador” ser aquele que aproxima partes que estão sem comunicação e que podem estar alienadas, separadas ou em guerra uma com a outra. O Mediador deve tratar com ambos os lados, identificando-se com ambos, defendendo os interesses dos dois, e apresentando cada uma das partes com base na boa vontade. Foi assim que Moisés foi mediador entre Deus e Israel (Gl 3:19), falando a Israel da parte de Deus, quando Deus outorgou a Lei (Ex 20:18-21), e falando a Deus da parte de Israel, quando Israel pecou (Ex 32:9-33:17). Assim, Cristo é “o Mediador da nova aliança” (Hb 9:15; 12:24), o iniciador de um novo relacionamento de consciente paz com Deus, indo além daquilo que era conhecido segundo as disposições do Antigo Testamento para tratar com a culpa do pecado (Hb 9:11-10:18).

A Reforma diz não a todas as tentativas humanas de se chegar a Deus. Somente Cristo pode nos conduzir a Deus e nos dar a salvação. A despeito de quaisquer outras ideias extravagantes em voga principalmente nos dias de hoje, o ensino das Escrituras enfatizado pela Reforma é que Cristo é absolutamente necessário para a salvação. Paulo disse a seus presbíteros em Éfeso que jamais havia deixado de “anunciar coisa alguma proveitosa, de vo-la ensinar publicamente e também de casa em casa, testificando tanto a judeus como a gregos o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus” (At 20:20,21). Atentar para os termos “arrependimento para com Deus” e “fé em nosso Senhor Jesus”, expressando que todos, sem exceção, devem vir a Deus da mesma maneira – em arrependimento pelo pecado (cf. At 26:20; Lc 24:47; Mc 1:15) e fé em Jesus Cristo, ou melhor, por intermédio de Jesus Cristo. Também nos leva a refletir que sem Cristo não há salvação, posto que se alguém não confiar na obra salvadora de Jesus, em hipótese alguma, poderá ser salvo.

Soli Deo Gloria

“Glória Somente a Deus”. É o princípio segundo o qual toda a glória é devida a Deus por Si só, uma vez que a salvação é efetuada exclusivamente através de Sua vontade e ação. Não só o dom da expiação de Cristo na cruz, mas também o dom da fé, criada no coração do crente pelo Espírito Santo. Esta doutrina afirma que a salvação pertence somente a Deus, e foi alcançada por Deus apenas para Sua glória. Isto demonstra que como cristãos devemos glorificar sempre e somente a Ele, e devemos viver toda a nossa vida perante a face dEle, sob a autoridade dEle, e somente para a glória dEle, ressaltando, na opinião de David Wright, a justificação da sabedoria e do poder de Deus contra a usurpação papal e as religiões feitas por homens, honrando a transcendência soberana e a predestinação providencial divinas.

Segundo os reformadores, nada, ninguém, nenhum ser humano, ou outros seres quaisquer, mesmo os santos canonizados pelo catolicismo romano, os papas, e quaisquer outras autoridades eclesiásticas, ou laicas, são dignos de qualquer glória que lhes seja atribuída. Toda glória provém de Deus, que é digno dela. Portanto, não há espaço para a glorificação do homem na estrutura bíblica da salvação levantada pelos reformadores. Toda a glória deve ser dada a Deus, porque este é Seu objetivo, que não deve ser visto como um gesto de egoísmo divino, mas de amor divino, como anota a Bíblia de Estudo de Genebra, ratificando que Deus quer ser louvado por Seu caráter meritório e exaltado por Sua grandeza e bondade. Deus quer ser reconhecido por aquilo que Ele é, e este Seu propósito tem dois lados ou duas etapas. De um lado, Deus revela Sua glória em atos de livre generosidade; e, de outro, Seu povo responde com adoração, dando-Lhe glória com ações de graças por aquilo que tem visto e recebido. Segundo a Bíblia de Genebra, os seres humanos foram criados para essa recíproca comunhão de amor, e a redenção oferecida por Cristo torna isso possível para os que caíram.

Os estudiosos lembram que gastamos a maioria de nosso tempo como Narcisos, contemplando nossa própria imagem distorcida no espelho, e não vemos com nitidez a autêntica imagem de Deus em nossa vida, sem compreendermos quem realmente somos e quem Deus é, não percebendo que não temos alternativa a não ser nos prostrarmos e exaltarmos o Seu nome.

Finalizando

A hora de protestar. Enfim, são estas as bases da Reforma Protestante, cinco importantes e fundamentais doutrinas que nos alicerçam biblicamente quando se trata de testificar a razão da nossa fé, embora estas bases estejam sendo descartadas por muitos de nós nos dias de hoje, numa deslavada grosseria, desconsideração ou ignorância, propositadas ou não, se não para com o Absoluto e Soberano Triúno Deus e Sua Palavra, no mínimo, para com o sangue derramado daqueles que tanto lutaram para que pudéssemos libertar-nos daqueles dias de trevas, corrupção e manipulação de poderes, e vivermos até então usufruindo – se é que usufruimos mesmo – de todas aquelas bênções sem nenhum esforço de nossa parte.

Depois de mais de 500 anos do nascimento de Lutero, em 1483, e quase 500 anos depois que o próprio Lutero, naquele 31 de outubro de 1517 afixou as suas 95 Teses na porta da Igreja do castelo de Wittenberg, na Alemanha, abrindo, assim, um clarão para os novos tempos, e que refletiu em todo o mundo, parece que a Igreja de nossos dias está voltando para aqueles tempos da lamentável “Idade das Trevas”, tempos do atraso, tempos das falácias, das fábulas e vãs filosofias, ou algo parecido.

Assim como naqueles tempos, nos dias de hoje, nós, que dizemos que somos cristãos – às vezes até arrogantemente diante daqueles que necessitam avidamente de ouvir simplesmente e sem nenhuma tergiversação as maravilhas das boas-novas da salvação para uma real transformação de vida –, precisamos rever muitos dos nossos conceitos que se desviaram diametralmente daqueles defendidos pela Reforma Protestante, e agirmos como ela mesma ainda proclama, reformados, mas sempre reformando, ou seja, aproximando-nos sempre, e cada vez mais, da verdade absoluta anunciada nas Escrituras, que tanto os reformadores defenderam.

Evidente – como alguns já defendem em nossos dias, especulando sobre uma possível nova Reforma Protestante – que é muito importante avaliarmos a Igreja e seus ensinos nos dias de hoje, tendo como base as lições dos reformadores do século 16. De muitas formas, grande parte da cristandade precisa ser desafiada a retornar a essas doutrinas fundamentais de fé da mesma forma que os reformadores desafiaram a Igreja Católica Romana naqueles tempos, proclamando o genuíno Evangelho, ou seja, defendendo os cinco solas. Do contrário, devemos seguir o conselho do professor e estudioso de História da Reforma, Dr. James E. McGoldrick: “Se a Igreja da nossa geração não estiver fazendo isto, chegou a hora, novamente, de protestar!”

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Bibliografia

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- os quatro itens acima foram acessados em 13/8/2010

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