segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

PELEJANDO PELA FÉ

Aquela fé que uma vez foi dada aos santos

Maravilhoso é quando nossos corações e mentes são incomparavelmente alcançados por uma ação eficaz do Espírito divino. É quando passamos a perceber, daí para frente, que estes nossos corações e mentes não estão mais cauterizados nem vagando por aí, divagando, perdidos, inventando coisas que só mesmo quem vive de nulidades gosta de fazer.

Maravilhoso é quando não estamos mais à mercê de quaisquer ventos nem embalados por brados estranhos, e a nosso bel-prazer, como se fôssemos os donos do mundo no vale-tudo de uma vida rasteira.

Maravilhoso é quando somos sensíveis ao agir de Deus em nossas vidas, e que esse agir se espraia como luz em meio a trevas ou como brisa no deserto, que é este mundo incrédulo e pleno de falácias, escravizado por espíritos enganadores. E o que é pior, os seguidores deste mundo se acham os tais, desconstruindo - ou pelo menos tentando desconstruir - a grande mensagem que tem Cristo como fundamento e centro de todas as coisas. A mensagem de amor fraterno, de esperança, mas também de perseverança e, consequentemente, de fé.

Maravilhoso é perceber que esta mensagem vem sendo ensinada desde os mais remotos tempos e ainda hoje ela é revelada àqueles que creem. Àqueles que são privilegiados pela iniciativa soberana de Deus à salvação, posto que a Sua misericórdia para com pecadores indignos e a consequente paz estão baseadas em Seu amor manifestado em Jesus Cristo.

E todos somos pecadores indignos se não formos alçados por este privilégio da graça de Deus, e se não compreendermos o papel central deste mesmo Jesus Cristo no plano geral de Deus para a Sua criação[1], e nossa salvação.

Assim é que o apóstolo Paulo destaca o valor desta mensagem para nossa prática cotidiana, sendo que a pessoa que dominá-la nunca perderá o seu caminho, pois está perfeitamente instruído, plenamente preparado para o que der e vier. Esta mensagem está nas Escrituras, e elas mesmas são a própria mensagem revelada para os homens de Deus; os escolhidos - aqueles que foram chamados para aceitarem o convite do Evangelho.

E se realmente foram chamados, jamais desviarão dele. “Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda a boa obra."[2] Por isso é que os crentes em Cristo não devem desprezar porção alguma destas Escrituras, pois é dever cristão pelejar por sua fé.

Mas não é sempre assim. Humanamente falando, somos um universo à parte com todas as nossas incógnitas e fragilidades, egoísmos e outras fraquezas ou defeitos, que, geralmente, optamos por fazer extravasar toda a nossa arrogância, doa a quem doer, apenas por um objetivo unicamente pessoal, egocentricamente danoso à coletividade e ao padrão moral desta fé cristã.

E, óbvio, em desarmonia com as próprias Escrituras, os ensinamentos de Cristo. São os falsos mestres que, com seus falsos ensinos, habilmente, e sem espalhafato, secreta e furtivamente, inserem-se na comunidade; na Igreja. São “homens ímpios, que convertem em dissolução a graça de Deus, e negam a Deus, único dominador e Senhor nosso, Jesus Cristo”.

Isso acontece em todos os tempos, já que em todos os tempos existem pessoas - os seres humanos, que, embora criados à imagem e semelhança do divino Criador, trazem em si mesmos uma natureza perversa, pecaminosa; um legado herdado desde os tempos do seu primeiro protótipo. Contra esta vida natural dos homens sem a presença do Espírito de Deus[3] é que Judas denuncia a falta de entendimento espiritual deles, e, se estão sem este entendimento espiritual, pelo menos têm conhecimento instintivo da vida física, e, mesmo neste setor da vida, revelam-se moralmente pervertidos, nos dizeres de Robertson. “Estes, porém, dizem mal do que não sabem; e, naquilo que naturalmente conhecem, como animais irracionais se corrompem. Ai deles!"[4]

Depois de uma ampla descrição dos falsos irmãos, Judas agora passa a orientar os genuínos membros da Igreja[5] quanto ao seu comportamento na presença de tais homens para que estes não devam estar confusos devido a presença de pessoas falsas no seio da Igreja, tendo em vista que os próprios apóstolos já anteciparam esta situação. O dever deles consistia em conservar a fé e a pureza. Quando possível, deveriam procurar a recuperação moral e espiritual dos iludidos.[6]

Pois bem, o objetivo da epístola de Judas está compreendido no versículo 3. “Amados, procurando eu escrever-vos com toda a diligência acerca da salvação comum, tive por necessidade escrever-vos, e exortar-vos a batalhar pela fé que uma vez foi dada aos santos.” Rodeava os crentes o fantasma da sedução. Importava socorrer a comunidade.

Esta carta era muito oportuna. Na sua primeira parte esclarece a natureza da heresia disseminada pelos falsos mestres (v. 4-6); como que, pela licenciosidade em que vivem, se assemelham os hereges aos de Sodoma e Gomorra, e como que serão condenados ao mesmo castigo de destruição. A segunda parte (v. 17-25) contém conselhos adequados a tais erros. A oração perseverante, a fé, a prática do amor e a instrução comum para confortar e firmar a fé aos que sobrenadam em dúvidas, são os meios à mão, capazes de oposição às tiradas dos intrusos perturbadores do sossego espiritual dos crentes.

Finalmente, a conclusão de Judas é tida como uma das mais belas doxologias do Novo Testamento (v. 24, 25). Em contraste com o retrato sombrio dos hereges com o brilho da glória de Deus, Judas dá ânimo aos crentes em sua luta contra a heresia, e repete a promessa da proteção, mencionada no início da carta (v. 2), estabelecendo o tom confiante para essa defesa veemente da “fé que uma vez por todas foi entregue aos santos”.[7]

Assim, alguns estudiosos afirmam que esta carta mostra-nos a necessidade urgente de lutarmos para mantermos a pureza do verdadeiro Evangelho, mas que devemos permitir que nos mostre também que, nessa luta, mais do que em qualquer outra coisa, necessitamos do amor de Cristo em nossos corações e da sabedoria do Espírito Santo em nossa mente.

Escrita provavelmente entre os anos 68 e 75 d.C., Judas trata do mesmo assunto da segunda carta de Pedro, que é a questão do falso ensino. Segundo Green, há concordância geral entre os comentaristas de que a heresia em mira é, em ambas as cartas, uma forma de gnosticismo. A vida e os ensinos daquelas pessoas negavam o senhorio de Jesus.[8]

Esses falsos mestres estavam usando a liberdade cristã e a livre graça de Deus como licença para a imoralidade. Por sua vez, Judas dedica a maior parte de sua epístola (v. 4-19) à denúncia destes falsos mestres com a finalidade de impressionar os seus leitores com a seriedade desta ameaça.

Mas, na avaliação dos comentaristas, a estratégia de Judas é mais do que somente uma oposição negativa. Ele exorta aos seus leitores para que cresçam no conhecimento da verdade cristã (v. 20) e para que procurem resgatar aqueles cuja fé estava hesitante (v. 22, 23). Estes mesmos comentaristas deduzem que esta receita para confrontar erros espirituais é tão eficaz hoje em dia quanto o era quando foi escrita a carta de Judas.[9]

Vivemos em tempos difíceis, mas não tão diferentes daqueles em que estes homens de Deus denunciavam as mazelas dos falsos ensinos. As heresias, as seitas e seus séquitos sempre existiram, e sempre vão existir, desde que os homens, pensando apenas em si mesmos, excluem Jesus do centro das atenções, subestimando-O, e colocando outro “cristo” em lugar do Filho de Deus, tirando-Lhe a Sua divindade e os Seus atributos divinos.

Além, é claro, destes homens serem exclusivistas, proselitistas, e de utilizarem fontes extrabíblicas, assim como em seus ensinos apregoarem uma espécie de salvação totalmente antropocêntrica.

Mas quem disse que é fácil defender a sã doutrina? Quem é que nunca viu, em nossos dias, de um jeito ou de outro, algumas - ou pelo menos uma - daquelas cenas mencionadas acima?

Estas, e muitas outras, são cenas de um velho espetáculo que a cada tempo se traveste de novas aparências por conta de um manjado show da fé, como lobo em pele de cordeiro, mas que faz seus estragos a milhões de incautos quanto à cidadania do Reno de Deus, posto que seus objetivos são sempre os mesmos: transgredir a genuína Palavra de Deus na sua essência revelada nas Escrituras, iludindo a muitos, e semeando o joio de suas doutrinas entre os santos. Essas personalidades são reais, e fazem parte do nosso contexto nos dias de hoje; parecem obreiros de Cristo, mas são operários de Satanás.[10]

Precisamos aguçar cada vez mais a nossa sensibilidade, e estarmos atentos, de olhos bem abertos, e com os nossos corações e mentes incansavelmente inquietados, procurando apresentar-nos diante de Deus aprovados, como obreiros que não têm de que se envergonhar, que manejam bem a Palavra da Verdade.

Que o Santo Espírito de Deus nos capacite para podermos proclamar a Palavra, insistentemente, em qualquer situação, quer seja boa, quer seja má, corrigindo, repreendendo, exortando com toda a longanimidade e doutrina. “Porque haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas.”[11]

E esse tempo é hoje. Tempos de grandes questionamentos do conteúdo da fé cristã; em que teologias novas e especulativas são largamente disseminadas, e em que uma nova moralidade está sendo defendida. Nos dizeres de Green, são tempos em que o cristianismo nos está sendo apresentado em termos do amor, ao passo que o conteúdo da fé e da esperança para o futuro está sendo calado de modo estranho, em deferência ao clima intelectual contemporâneo.

O comentarista vai um pouco mais além quando reflete sobre um intelectualismo em boa parte do nosso cristianismo - que talvez não esteja muito longe daquele que é atacado nas cartas de Judas e de 2Pedro – cujo conhecimento tem pouco relacionamento com a vida santa.[12]

Mas ainda é tempo de o pecado ser desmascarado; de lembrarmos de que a persistência dos maus procedimentos sempre termina em ruína, e de que um intelectualismo despojado de amor é uma coisa infrutífera.[13]

Ainda há tempo de tomarmos uma atitude - se é que somos crentes cristãos, homens de atitude -, e agirmos como os crentes da Igreja primitiva - já que Judas escreveu sua carta como uma carta circular dirigida para várias Igrejas, sem nenhuma em particular -, defendendo com toda veemência a ortodoxia e o valor desta epístola, praticando-a, literalmente, pela causa da nossa salvação comum, batalhando, diligentemente, “pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos”, designando, aqui, o conteúdo da mensagem ensinada pelos apóstolos e professada por todos os cristãos como padrão para a Igreja.[14]

E que o Senhor nos dê forças para tanto, para resistir; para irmos até o fim em reverência à eterna grandeza de Deus em Sua glória, majestade, domínio e poder. Porque somente Ele é poderoso para nos guardar de tropeçar, e apresentar-nos irrepreensíveis, com alegria, perante a Sua glória. “A Ele, ao único Deus sábio, Salvador nosso, seja glória e majestade, domínio e poder, agora, e todo o sempre. Amém.”[15]

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Notas

1.Bíblia de Estudo de Genebra; Antigo e Novo Testamentos. Edição Revista e Atualizada no Brasil. Trad. por João Ferreira de Almeida. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. nota. p. 1521

2.2Timóteo 3:16,17; O Novo Comentário Bíblico - Novo Testamento. 1ª ed. Earl Radmacher, Ronald B. Allen e H. Wayne House (editores). Rio de Janeiro, RJ: Central Gospel, 2010. p. 614

3.ROBERTSON, Robert. A Epístola Geral de Judas: Introdução e Comentário. In: O Novo Comentário da Bíblia, vol. 2. (editor em português R. P. Shedd). São Paulo: Vida Nova, 1963, 1990. p. 1444, 1446. Reimpressão

4.Judas 10,11

5.Ibid. 8-16

6.Ibid. 17-23; ROBERTSON, Robert. A Epístola Geral de Judas: Introdução e Comentário. In: O Novo Comentário da Bíblia, vol. 2. (editor em português R. P. Shedd). São Paulo: Vida Nova, 1963, 1990. p. 1446. Reimpressão

7.PINTO, Carlos Osvaldo Cardoso. O argumento de Judas. In: Foco e desenvolvimento no Novo Testamento. 1ª ed. São Paulo: Hagnos, 2008. p. 584

8.2Pedro 2:1-3; Judas 4; GREEN, Michael. 2Pedro e Judas - Introdução e Comentário. 1ª ed. Trad. por Gordon Chown. São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1983. p. 36

9.Bíblia de Estudo de Genebra; Antigo e Novo Testamentos. Edição Revista e Atualizada no Brasil. Trad. por João Ferreira de Almeida. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. p. 1520

10.ANDRADE, Claudionor de. Judas. In: Lições Bíblicas - Aluno. 1º trim. 2002. Rio de Janeiro, RJ: CPAD, 2002. p. 8

11.2Timóteo 2:15; 4:2-4

12.GREEN, Michael. 2Pedro e Judas - Introdução e Comentário. 1ª ed. Trad. por Gordon Chown. São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1983. p. 7

13.Ibid.

14.2João 9,10; 1Coríntios 15:3-8; Bíblia de Estudo de Genebra; Antigo e Novo Testamentos. Edição Revista e Atualizada no Brasil. Trad. por João Ferreira de Almeida. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. nota. p. 1521

15.Ibid. p. 1523

Bibliografia

ANDRADE, Claudionor de. Judas. In: Lições Bíblicas - Aluno. 1º trim. 2002. Rio de Janeiro, RJ: CPAD, 2002

Bíblia de Estudo de Genebra; Antigo e Novo Testamentos. Edição Revista e Atualizada no Brasil. Trad. por João Ferreira de Almeida. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. p. 1520-1523

GREEN, Michael. 2Pedro e Judas - Introdução e Comentário. 1ª ed. Trad. por Gordon Chown. São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1983

HALLEY, H. H. Judas. In: Manual Bíblico: Um Comentário Abreviado da Bíblia. Trad. por David A. de Mendonça. São Paulo: Vida Nova, 1991. 10ª ed. p. 597-598

O Novo Comentário Bíblico - Novo Testamento. 1ª ed. Earl Radmacher, Ronald B. Allen e H. Wayne House (ed.). Rio de Janeiro, RJ: Central Gospel, 2010

PINTO, Carlos Osvaldo Cardoso. O argumento de Judas. In: Foco e desenvolvimento no Novo Testamento. 1ª ed. São Paulo: Hagnos, 2008. p. 577-588

ROBERTSON, Robert. A Epístola Geral de Judas: Introdução e Comentário. In: O Novo Comentário da Bíblia, vol. 2. (editor em português R. P. Shedd). São Paulo: Vida Nova, 1963, 1990. p. 1441-1447. Reimpressão

ROSE, Delbert R. A Epístola de Judas. In: Comentário Bíblico Beacon. v. 10. 1ª ed. Trad. por Valdemar Kroker e Haroldo Janzen. Rio de Janeiro, RJ: CPAD, 2006. p.351-381

WIERSBE, Warren W. JJudas. In: Comentário Bíblico Expositivo: Novo Testamento. v. 2. Trad. por Susana E. Klassen. Santo André, SP: Geográfica, 2006. p. 699-719